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O Livro de Gênesis

A Criação da Mulher

Nona videoconferência de uma série

sobre o sentido espiritual do livro de Gênesis

 

Após conquistarem a terra de Canaan, os filhos de Israel tiveram líderes ocasionais, chamados juízes, e um deles era também sacerdote e profeta. Ele se chamava Samuel. Como sacerdote, servia no tabernáculo; como profeta, transmitia ao povo as respostas de Deus e, como juiz, os liderava nas guerras. Assim, através da instrução e da liderança de Samuel, Deus mesmo era quem de fato governava o povo naqueles tempos.

Mas, quando Samuel envelheceu, os anciãos do povo vieram até ele, em Ramá, e disseram: “Dá-nos um rei, para que nos governe” (1Sm. 8:6). Eles tinham visto que as nações canaanitas ao redor tinham seus reis humanos, ao passo que eles tinham um governante invisível. Divino, sim, mas invisível, e não queriam mais essa forma de governo. Somente eles eram assim. Não queriam mais ser diferentes, e por isso pediram um rei.

Isso desagradou muito a Samuel, porém o Senhor lhe disse: “Atende à voz do povo em tudo quanto te diz, pois não te rejeitou a ti, mas a Mim, para Eu não reinar sobre ele.” (1Sm 8:7). O povo foi ainda alertado quanto aos pesares e as desvantagens que um rei humano lhe traria, mas insistiu no seu desejo. Então Samuel ungiu a Saul como o primeiro rei de Israel.

Naquele tempo Israel ainda estava na sua fase de infância como nação. Isto nos lembra do que sucede com os nossos filhos. Quando são ainda bebês, nós os carregamos no colo ou no carrinho. Assim que aprendem a andar, querem descer ao chão, e então caminham conosco docilmente, de mãos dadas. Mais um pouco, porém, quando já sentem firmeza nas perninhas, querem se soltar de nossas mãos e correr na frente, com o risco de ficarem perdidos.

Pois bem. No relato da criação da mulher aconteceu algo semelhante a isso. A princípio, nos primórdios da humanidade neste planeta, o povo antiquíssimo, homens, mulheres e crianças, estavam na sua inocência e sabedoria, sendo representados pelo Homem, ou Adão, no Jardim do Éden. Mas passou-se o tempo e os descendentes se inclinaram a outra direção e já não queriam mais estar na primitiva integridade. Lemos no Gênesis:

E disse Jehovah Deus: Não é bom que o homem esteja só; far lhe ei um auxílio como se [estivesse] nele [tanquam apud illum]. E formou Jehovah Deus, do humo, toda besta do campo, e toda ave dos céus, e (os) trouxe para o homem, para ver como lhes chamaria; e tudo o que o homem chamava a uma alma vivente, isso era o seu nome. E o homem chamava pelos nomes a toda besta, e à ave dos céus, e a toda fera do campo. E para o homem não se achou um auxílio como se [estivesse] nele.

Já temos visto e mostrado que os relatos bíblicos da criação não podem ser entendidos literalmente. Assim também é o caso aqui, no relato da criação da mulher. Temos uma contradição se entendermos que a ‘mulher’ aqui é uma pessoa do sexo feminino, porque lemos que no fim do sexto dia ambos os gêneros já tinham sido criados, pois Deus criou o homem “macho e fêmea”.

Outra razão por que não podemos interpretar literalmente o que está dito aqui é que seria estranho, até um absurdo, o fato de que Deus, em Sua infinita sabedoria, não soubesse que entre as espécies de animais e aves não se poderia encontrar um que pudesse servir de par adequado para o homem. Então, assim como nos relatos anteriores, a criação da mulher, aqui, é uma alegoria que envolve um significado espiritual

Já vimos que o “homem”, ou “adam”, em hebraico, significa a humanidade ou raça antiquíssima, tanto homens como mulheres e crianças, e a religiosidade deles chamamos de Igreja Antiquíssima. A sabedoria daquela raça foi representada pelo paraíso ou Jardim do Éden e tudo o que havia no Jardim. No princípio, aquele povo ou aquela igreja vivia em integridade, sem males hereditários ou ativos, e eram guiados em tudo por Deus, desde a inocência ignorância em que até a inocência da sabedoria, quando se tornavam anjos celestes.

Tinham percepção Divina, isto é, o Senhor lhes ensinava as verdades internamente ou os instruía por meio dos anjos. A instrução perceptiva foi representada pela árvore de vidas, da qual podiam comer. Como eles na ordem da vida e na inocência, eram como crianças sábias guiadas por seu Pai celestial, assim como são os anjos dos céus mais altos.

Mas, diferentemente do animal irracional, o ser humano foi dotado da racionalidade, que é a capacidade de compreender a verdade e por esse modo ser capaz de elevar o seu entendimento até a luz do céu; e teve a liberdade ou livre arbítrio, pelo qual faz a escolha de ser elevado ao céu ou permanecer homem corpóreo. E é por causa do livre arbítrio que o ser humano é criado na Terra e não já no céu, pois assim ele pode ou não responder ao propósito Divino. Se quiser se deixar conduzir pelo Criador, ela participa desse propósito e, ao receber a vida celeste, ela a sente como sua e não como se lhe fosse imposta.

E é evidente, também, que criar o ser humano dotado de livre-arbítrio implicava num risco: o risco de que o homem rejeitasse esse propósito Divino. Mas não havia alternativa. Ou o homem teria essas duas condições, racionalidade e liberdade, ainda que abusasse delas, ou as não teria, mas, nesse caso seria como um ser irracional ou um autômato. Então, a possibilidade de o homem vir a abusar do livre arbítrio e fazer opção pelo mal era um risco calculado e foi previsto, caso contrário a liberdade humana seria uma falácia. E quando dizemos que foi previsto, não significa que era desejável, mas, sim, inevitável. Tudo o que Deus fez e faz é bom, mas o homem criou e faz o mal. E, por causa do livre arbítrio, Deus permite o mal, mas, em Sua misericórdia, Ele impõe uma condição: o mal só é permitido se daí se puder tirar um bem que supere o mal.

E foi isso, então, que aconteceu. Não sabemos se se passaram milhares ou milhões de anos, até que aquele povo, no uso e abuso do livre arbítrio, enjoou, por assim dizer, daquela vida de integridade de seus ancestrais, e acabaram fazendo como os filhos de Israel iriam fazer mais tarde: queriam outra forma de governo. Ou como faz uma criancinha de três anos, quando quer se soltar da mão do pai e ir sozinha adiante, mesmo sem saber ainda para onde.

Pois lemos que a criação da mulher significa “o proprium que foi concedido ao homem”, porque o ser humano se tornou tal que não se contentava mais em ser conduzido pelo SENHOR, mas desejava guiar-se também por si mesmo e pelo mundo, ou pelo proprium. Esse termo, “proprium” é utilizado nos Escritos de Swedenborg para indicar o ser mesmo do indivíduo ou seu ego.

Essa descendência da raça antiquíssima, não se contentando mais com o fato de que neles tudo era do Divino, desejou cada vez mais a sensação de que tinha uma vida independente da Divina, como se a vida estivesse neles e não em Deus, ou não somente em Deus.

Essa inclinação ou ambição por terem a vida como sua está descrita na frase: “Não é bom que o homem esteja só”. É dito assim, como se Deus estivesse falando, porque é comum, na Palavra, que sentimentos e palavras do homem sejam atribuídos a Deus, para que possamos compreender o que se passa no íntimo do indivíduo. “Não é bom estar só” quer dizer que o homem não achava mais tão bom estar a sós com Deus. Porque, no começo, a raça antiquíssima estava só, por assim dizer, porque era somente o homem falando com seu Deus, sem algo do ego humano se interpondo. Era como o povo de Israel, antes de desejar ter um rei. Naquele tempo, o profeta antigo Balaão, contemplando o acampamento israelita, disse: “Vejo Israel... Eis que é povo que habita só e não será reputado entre as nações.” (Núm. 23:9). Agora, porém, para aquela descendência, o “habitar só com Deus” já não parecia mais tão desejável. Não queriam mais ser em tudo dirigidos pelo Criador.

“E disse Jehovah Deus: Não é bom que o homem esteja só; far lhe ei um auxílio como se [estivesse] nele.” Então, assim como Deus concedeu o desejo dos filhos de Israel e lhes ungiu um rei, assim também Ele concedeu ao homem antiquíssimo essa sensação de vida própria, como se a vida estivesse nele.

Neste ponto, as traduções da Bíblia trazem muitas variações, nem uma sendo igual à outra: “far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”, “far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele”, “farei para ele alguém que o ajude e a ele corresponda”, e assim por diante. Mas Swedenborg traduz literalmente o hebraico, que é: “far-lhe-ei um auxílio como se nele”, porque é assim exatamente que o proprium é para o homem, uma sensação tal como se a vida estivesse nele.

Lemos que Deus trouxe os animais e o homem pôs nomes em cada um deles, mas não se achou um que fosse esse auxílio. Isto, também, é uma alegoria, porque as criaturas irracionais, conforme já vimos, significam na Palavra coisas do entendimento e da vontade. Os animais significam as afeições da vontade, e as aves e peixes, os conhecimentos e fatos do entendimento. “Nomear os animais” significa conhecer a qualidade das afeições e dos conhecimentos.

Quer dizer que os antiquíssimos tinham autoconhecimento e percebiam os estados interiores de sua mente, as afeições e os pensamentos oriundos delas, mas, ao mesmo tempo, sentiam que todos aqueles sentimentos e ideias eram coisas Divinas, e, portanto, não davam ao homem antiquíssimo a sensação de vida própria. E lemos (AC 146): “Embora lhe fosse concedido conhecer a sua qualidade quanto às afeições do bem e aos conhecimentos do vero, ele, porém, ainda ambicionava um proprium. Com efeito, os que são tais que desejam um proprium começam a desprezar as coisas que são do SENHOR, de qualquer modo que elas lhes sejam representadas e demonstradas.”.

“E JEHOVAH DEUS fez cair um sono profundo sobre o homem, e este adormeceu. E tomou uma das costelas dele, e cerrou a carne em seu lugar”. “Pela “costela”, que é o osso do peito, se entende o proprium do homem, em que há pouca coisa de vital”. A mulher feita de um osso, da costela, quer dizer que o proprium é relativamente morto, porque a vida não é inerente ao homem, mas vem de fora. Só existe e só pode existir uma única origem e Fonte de vida, a vida Divina, e todas as criaturas no universo são recipientes dessa Vida única.

Lemos nos Arcanos: “Quando visto do céu, o proprium do homem aparece inteiramente como alguma coisa óssea, inanimada e muito disforme, portanto morta em si mesma. Mas, vivificado pelo SENHOR, mostra se como carne. Pois o proprium do homem não é outra coisa senão o que é morto em si mesmo, ainda que lhe pareça ser alguma coisa e, de fato, como se fosse tudo. Tudo o que vive nele, vive pela vida do SENHOR, a qual, se fosse retirada, ele cairia morto como uma pedra, pois ele é só um órgão de vida; mas tal é o órgão, tal é a afeição da vida. Somente o SENHOR tem um Proprium; pelo Proprium Ele redimiu o homem e pelo Proprium Ele salva o homem. O Proprium do SENHOR é a Vida; pelo proprium do SENHOR é vivificado o proprium do homem, que é morto em si.”

A “carne” ser fechada no lugar da costela tirada significa que o Senhor, por Sua misericórdia, vivifica o proprium do homem lhe dá algo de vital, que é a sensação de que tem a vida em si. E é uma sensação tão forte que o homem não crê outra coisa senão que a vida é dele. Essa ilusão de vida inerente a si é representada pelo “sono profundo”, em que o homem foi posto, porque, enquanto o homem tem essa aparência de que vive por si mesmo, independentemente de Deus, é como se ele dormisse. Quando, porém, se torna espiritual e percebe que toda vida vem da Vida mesma, que é Divina, é como se despertasse para a realidade.

 “E JEHOVAH DEUS edificou a costela, que tomou do homem, em mulher, e a trouxe para o homem.” Aquela descendência dos antiquíssimos ambicionava um proprium, e este lhe foi concedido.

“E disse o homem: Esta, agora, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; por causa disso será chamada esposa, porque do varão ela foi tomada. Por isso deixará o varão seu pai e sua mãe, e ligar se á à sua esposa, e serão uma [só] carne.”

Notemos que essas palavras foram ditas pelo homem. Ele diz que a mulher vem dos ossos dele e da carne dele, mas, de fato, dele foi tomado somente o osso, que é o proprium. A carne não veio dele, mas foi provida pelo Senhor, porque a “carne” significa que esse proprium do homem foi de algum modo vivificado por Deus. Veio, portanto, do Proprium Divino, a “Carne” Divina, que simboliza o Seu Divino Amor. Por isso na Santa Ceia o Senhor chama o Seu amor e a Sua sabedoria de Sua carne e Seu sangue.

Em resumo, essa sensação que a pessoa tem de que a vida lhe é inerente e que lhe dá personalidade, caráter, desejos etc., é o tal proprium, que em si é morto como um osso. Quando, porém, o homem é regenerado e aprende que ele nada é e que deve sua vida ao Senhor, então o Senhor reveste o seu ser, o seu ego, com uma vontade nova, a caridade, que vem do amor Divino, e, embora o homem conserve a sua natureza, por causa dos atributos Divinos que ele recebe, ele se torna uma forma humana celeste, tão bela e agradável que é representada neste relato pela beleza de uma mulher.

O nome dado à mulher “Eva”, “Havah”, quer dizer “aquela que dá a vida”, como uma mãe, porque o proprium dá ao homem essa sensação de vida, como se a vida estivesse nele e não em Deus.

“E estavam ambos nus, o homem e a esposa dele, e não se envergonhavam.” A nudez dessa descendência, sem que se envergonhassem disso ,significa que aquela descendência, apesar de se ter inclinado para um próprio, não era, contudo, má, mas ainda era boa. A nudez deles representa o estado de inocência, não tanto como a dos antiquíssimos, seus antepassados, mas ainda inocência, a qual o Senhor insinuou no proprium, para torná-lo mais agradável. Esse abrandamento ou essa suavização do proprium foi representado, portanto, pela beleza da forma feminina.

 “Caridade e inocência são coisas que não só desculpam o proprium, ou o mal e o falso no homem, mas o anulam, por assim dizer. É como qualquer um pode ver pelas crianças: quando elas se amam mutuamente e aos pais, e, ao mesmo tempo a inocência infantil brilha, então os males e falsos mesmos não só não se mostram, mas também são agradáveis.

Daí se pode saber que ninguém pode ser admitido no céu a não ser que tenha alguma inocência... Que a “nudez de que não se envergonhavam” signifique a inocência, vê se claramente pelas coisas que se seguem; quando eles se afastaram da integridade e da inocência, então se envergonharam da nudez e ela lhes pareceu opróbrio, pelo que se esconderam".

O desvio do gênero para o mal vai ocorrer mais tarde, na história da tentação e queda do homem, no capítulo seguinte.

Concluindo, lemos nos Arcanos: “Estas são as coisas que a Palavra contém neste capítulo, mas as que foram expostas são poucas. E, como se trata do homem celeste, que hoje quase ninguém conhece, estas poucas coisas não podem deixar de parecer um tanto obscuras. Mas, se alguém soubesse quantos arcanos estão contidos em cada versículo, ficaria espantado. São tantos os arcanos ali contidos que seria impossível contá-los. Isso se manifesta muito pouco na letra.” (AC 166, 167).

 

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