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O Livro de Gênesis A Queda do Homem - I Décima videoconferência de uma série sobre o sentido espiritual do livro de Gênesis
E a serpente era mais astuta do que toda fera do campo que JEHOVAH Deus fez. E [ela] disse à mulher: Assim disse Deus: Não comereis de toda árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto da árvore do jardim comeremos; E do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem toqueis nele, para que disso não morrais. E disse a serpente à mulher: Morrendo não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que comerdes dele serão abertos os vossos olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que a árvore era boa para comer, e que era apetecível aos olhos, e desejável era a árvore para dar inteligência; e tomou de seu fruto e comeu. E deu também ao seu varão com ela, e [ele] comeu. E foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folha de figueira, e fizeram cintas para si. (Gên. 3:1-7).
Chegamos ao terceiro capítulo do livro do Gênesis, a história da queda do homem, uma das mais conhecidas da Bíblia. Muitos cristãos, em sua simplicidade de entendimento, têm entendido esse relato literalmente: que a serpente era capaz de falar, tinha astúcia e, numa conversa, enganou a mulher e ela levou o homem a infringir a ordem Divina. Mas o bom senso derivado de uma análise crítica independente há de enxergar aqui, sim, um relato simbólico e não histórico, assim como é o caso com os capítulos anteriores do Gênesis. Até existe uma corrente teológica contemporânea chamada barthiana, baseada na filosofia de Karl Barth, um teólogo suíço falecido em 1968, que vê a história de Adão como uma lenda, ou uma mera figura, mas essa visão barthiana é considerada uma heresia pela teologia cristã tradicional. No entanto, o que parece mais absurdo? Acreditar que existe uma alegoria Divina nesse relato? Ou acreditar que uma cobra falasse, que tivesse astúcia a ponto de enganar a mulher e seu marido? E que Deus, sabendo que a serpente era assim, não teria impedido que ela estorvasse a obra prima da criação, o homem no paraíso? Sobre isso, lemos na última obra publicada de Swedenborg, A Verdadeira Religião Cristã, 469, o seguinte: “Hoje, quem quer que seja interiormente sábio pode perceber ou conjecturar, que as coisas que foram ditas sobre Adão e sobre sua esposa envolvem espiritualidades que ninguém até ao presente conheceu, porque o sentido espiritual da Palavra não foi descoberto antes deste momento. Quem é que não pode entrever que JEHOVAH não teria colocado em um Jardim duas árvores, e uma delas como cilada, senão para uma certa representação espiritual?...” Então, mais uma vez, vejamos qual é a mensagem interior que está revestida nos símbolos aí, conforme aprendemos nos Arcanos Celestes. Já vimos que os animais mencionados na Palavra significam elementos da vontade e do entendimento humanos. Os animais em geral significam as diversas afeições, isto é, desejos, sentimentos e sensações, ou capacidade de sentir. Por outro lado, as aves, répteis e peixes significam pensamentos, raciocínios, reflexões, ou a capacidade de pensar. No caso aqui, a protagonista é a serpente, um réptil, palavra que vem de repto, rastejar; aquilo que rasteja. Então, por causa dessa característica, de rastejar, a serpente significa a faculdade mais elementar ou mais “baixa” do pensamento, que é o raciocínio ou a capacidade de raciocinar. O chão ou o pó onde ela rasteja é nível mais inferior da mente externa, aonde chegam as impressões vindas pelos sentidos físicos. As impressões e informações percebidas pelos sentidos corpóreos são as mais básicas, mais elementares e as primeiras que o ser humano percebe. A criança começa a aprender pelos sentidos, quando toca, vê, leva à boca, sente e experimenta. Por essas impressões e experiências sensuais a ela se comunica com o mundo e recebe as informações que irão aperfeiçoá-la. Assim é que o indivíduo a princípio é instruído, e depois sobe do nível corporal ou animal para o nível natural de sua mente. O fato de a serpente falar, portanto, significa que o raciocínio instrui se instrui pelos sentidos. Mas os sentidos são limitados ao nível rasteiro em que está, o nível da mente externa e corporal. E o raciocínio não é mal em si, pois é um processo natural do entendimento ou uma faculdade humana. Inclusive, nos primeiros tempos dos antiquíssimos, o raciocínio era uma espécie circunspeção, ou introspecção, só que era esclarecido por uma revelação interna (vide AC 197). Contudo, o raciocínio pelos sentidos começa a ser um problema quando permanece como a única forma de instrução, isto é, quando a pessoa se habitua a concluir somente pelas coisas que vêm dos sentidos, e pior, quando crê que somente elas são verdadeiras. Nesse caso, a serpente está fazendo o papel de instruir, mas, também, o de iludir e seduzir. Porque o homem foi criado como um ser natural e espiritual ao mesmo tempo, mas as coisas vitais para o homem são espirituais, pois são elas que permanecerão depois da vida do corpo, e elas estão acima da análise e do julgamento dos sentidos. Para citar um único exemplo de como o raciocínio pelos sentidos pode iludir o entendimento: a aparência é que o sol se levanta e se põe todos os dias, girando ao redor da Terra. Enquanto a humanidade raciocinou por essa aparência dos sentidos, permaneceu iludida sobre como de fato é o sistema solar. Por causa desse hábito de raciocinar e tirar conclusões só pelo que pode ver e sentir com o corpo, a pessoa passa a descrer das coisas que estão acima e além do que é material, pois o raciocínio pelos sentidos não pode de modo algum perceber as coisas que são da fé (Vide Mateus 16:23). Então, a serpente dessa história é nociva porque ela significa é o raciocínio pelo sensual que afaga, lisonjeia e seduz o ego do homem com a ilusão de que ele é algo por si mesmo e que tem sabedoria por si mesmo, tal como o Criador. E mais, que ele até prescindir da crença em um Criador e considerar-se vivo por si mesmo e uma deidade por si mesmo. “Os antiquíssimos “chamavam de “serpentes” as coisas sensuais do homem, porque, como as serpentes estão próximas da terra, também as coisas sensuais estão próximas do corpo; daí chamavam de “veneno de serpente” aos raciocínios pelos sensuais sobre os mistérios da fé, e aos próprios raciocinadores chamavam de “serpentes”. Porque estes se entregam muito aos raciocínios pelas coisas do sentido ou pelas coisas visíveis como as que são terrestres, corpóreas, mundanas e naturais, é dito que “a serpente era mais astuta do que toda fera do campo” (AC 195). Conforme a pessoa cresce e amadurece, eleva-se do corporal para o natural, e, por conseguinte, a um nível um pouco mais acima dos sentidos. Daí ela percebe que há um mundo mais abstrato, por assim dizer, que não é dependente da impressão dos sentidos. Ela também percebe que às vezes os seus sentidos a enganam e fazem que ela perceba as coisas diferentemente do que de fato são. Depois, conforme a pessoa é instruída nas verdades Divinas e ama o bem, o seu homem interno ou espiritual se abre e ela entende que não pode confiar cegamente nos sentidos, que são limitados ao mundo material. No relato de Gênesis, está-se tratando de outra descendência do povo antiquíssimo. Na primeira fase eles foram representados por um Homem no jardim do Éden. Na segunda fase, pelo desejo que eles tiveram de ter um proprium, que foi simbolizado por uma mulher. Na terceira, eles começaram a se desviar da instrução Divina e começaram “a crer somente naquilo que compreendessem por meio dos sentidos; o seu sensual é representado pela “serpente”; o amor de si ou o proprium é representado pela “mulher” e o racional pelo “varão”. (AC 191) O raciocínio a partir das coisas materiais começa a desviar o homem quando instila o veneno da dúvida. A serpente começou com uma pergunta capciosa à mulher, e nessa pergunta já distorcendo o que Deus havia dito: “E [ela] disse à mulher: Assim disse DEUS: Não comereis de toda árvore do jardim?” Ora, Deus nunca disse que não comessem de toda árvore, mas que não comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal. De todas as demais árvores eles podiam comer. “E disse a mulher à serpente: Do fruto da árvore do jardim comeremos; e do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse DEUS: Não comereis dele, nem toqueis nele, para que disso não morrais.” “O “fruto da árvore do jardim” é o bem e o vero que lhes tinham sido revelados desde a Igreja Antiquíssima; o “fruto da árvore que está no meio do jardim, do qual não comeriam”, é o bem e o vero da fé, sobre os quais não deviam instruir-se por si mesmos; “não tocar nele” é que não pensassem no bem e vero da fé por si mesmos ou pelos sentidos e pelos conhecimentos; que “daí morreriam” é que, assim, pereceria a fé ou toda sabedoria e inteligência.” Os Arcanos nos chamam a atenção para o fato de que, antes, no capítulo 2:9, a árvore que estava no meio do jardim era a árvore de vidas, porque ela representava o amor e a fé que procede do amor plantados na vontade do homem. Agora, porém, no capítulo 3:3, a árvore que está no meio do jardim é a árvore da qual não deviam comer e nem mesmo tocar, porque essa árvore agora representa a fé, e comer dela significava instruir-se nos assuntos da fé por si mesmo, pelos sentidos. Quando há na pessoa uma tendência para sobrevalorizar o seu ego, o raciocínio pelos sentidos logo fornece os motivos para isso. Depois, o racional, deixando-se seduzir pelo proprium, inventa as razões pelas quais se corrobora a grandeza. Os raciocínios instilam dúvidas e falsidades que levam à negação de Deus, das Leis Divinas e da religião. Essa voz da serpente, insinuada todo dia, lisonjeia o ego humano, o proprium. A ideia de que se é sábio por si próprio é, de fato, muito atraente para o ego, e satisfaz a vaidade. Esse afago ao proprium está representado na reação da mulher à voz da serpente: “E viu a mulher que a árvore era boa para comer, e que era apetecível aos olhos, e desejável era a árvore para dar inteligência; e tomou de seu fruto e comeu. E deu também ao seu varão com ela, e [ele] comeu.” “Boa para comer” significa a cobiça; “apetecível aos olhos”, a fantasia; “desejável para dar inteligência”, a volúpia. Estas coisas são do proprium ou da “mulher”. Pelo “varão, que comeu”, é significado o racional, que consentiu” . O fato de varão também comer é que o racional também foi persuadido. É quando a pessoa busca argumentações “racionais”, filosóficas e científicas que se prestam mais para glorificar o homem em vez de Deus. “Quem é sensual, ou quem crê só nos sentidos nega que o espírito existe, porque não o vê; afirma que o espírito nada é, dizendo: “Pois não o sinto; o que vejo e toco, isto sei que existe”. ... Assim ele nega que o espírito existe. Os filósofos, que querem ser mais engenhosos do que os outros, falam do espírito em termos que eles mesmos não conhecem, por estarem em contestação sobre esses termos. Afirmam não ser aplicável ao espírito um só vocábulo que tire alguma coisa do material, do orgânico ou da extensão. Assim subtraem o espírito de suas ideias, de sorte que este se dissipa para eles e se torna nada. [3] Os mais sensatos, porém, até dizem que o espírito é o pensamento. Mas, quando raciocinam sobre o pensamento, como eles o separam do que é substancial, acabam concluindo que deve dissipar-se, quando o corpo expira. Assim, todos os que raciocinam pelas coisas dos sentidos, pelos conhecimentos e pelas coisas filosóficas negam que o espírito existe; e, quando o negam, não creem em coisa alguma do que se diz sobre o espírito e as coisas espirituais.” “Hoje é ainda pior, porque há não só os que em nada creem exceto se virem e sentirem, mas há, também, os que se confirmam por meio de conhecimentos ignorados pelos antiquíssimos e, assim, se cegam muito mais.” (196). A restauração da fé cristã passa, portanto, pelo conhecimento a Palavra Divina tal como é em seu seio, conhecimento pelo qual o entendimento pode ser elevado acima das ideias dos sentidos, que são ilusórias. “E disse a serpente à mulher: Morrendo não morrereis. Porque DEUS sabe que no dia em que comerdes dele serão abertos os vossos olhos e sereis como DEUS, sabendo o bem e o mal.” “Se eles comessem do fruto da árvore seriam abertos os seus olhos” significa que, se examinassem pelos sensuais e pelos conhecimentos as coisas que são da fé, veriam claramente se as coisas eram ou não assim. Que “seriam como DEUS, sabendo o bem e o mal” significa que se agissem assim, por si mesmos, seriam como DEUS e poderiam guiar-se a si próprios. A serpente mentia e contraditava o que Deus havia falado. Por mais incrível que pareça, a mulher deu ouvidos a uma criatura astuta e ignorou a instrução d’Aquele que havia criado todas as coisas, inclusive o jardim e as coisas magnificas que havia ali. A mulher não percebeu ou não deu importância ao fato de que a serpente mentia e distorcia as palavras Divinas. E, além disso, a serpente imputou a Deus um motivo ruim a Deus, dizendo que a proibição de comerem do fruto era para que não fossem iguais a Deus. Apesar de tudo, a mulher deu crédito à voz da serpente. Se tudo isso parece absurdo naquelas circunstâncias, numa alegoria, não é menos absurdo hoje, quando o homem se deixa levar pelos raciocínios baseados meramente na observação da matéria, e põe em dúvida o que lhe chega pela revelação Divina. Os raciocínios bem alinhavados e bem sedimentados nos fatos materiais faz com que o homem pareça inteligente, afagam o seu ego, seu proprium. Afinal, quem não busca ser inteligente por si mesmo, por suas próprias convicções e experiências? Afinal, esse é o fruto da árvore de que a vaidade humana se nutre, da árvore que é “boa para comer ... apetecível aos olhos, e desejável ... para dar inteligência” (207). O resultado dessa desobediência do ser humano veremos em detalhes na próxima palestra, mas, já aqui, vemos que a primeira constatação que eles tiveram foi bem desagradável. Porque, diferentemente do que a serpente falou, eles não se tornaram como Deus. A única diferença que notaram foi que estavam nus, e sentiram vergonha da sua nudez. Isto representa a perda completa da inocência em que se achavam no começo. “E foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus”. “Que os olhos foram abertos” significa que, por um ditame interior, conheceram e reconheceram que estavam “nus”, isto é, que não estavam mais na inocência como antes, mas no mal.” Ao invés de se tornarem como Deus, descobriram que eram, de fato, maus. “Diz-se que estavam “nus” porque se entregaram ao proprium, pois os que se entregam ao proprium ou a si mesmos nada mais têm da inteligência e da sabedoria, ou da fé. Assim, estão descobertos de vero e bem e por isso estão no mal.” A maior parte das pessoas no cristianismo crê no relato da queda do homem literalmente. Não faz mal que creiam assim, se não puderem julgar e elevar sua compreensão a um enfoque diferente. Porque todos os relatos de eventos nas Escrituras são como vasos para serem preenchidas quando se aprender a sua significação espiritual, quando a pessoa atingir a mentalidade adequada; e se isto não acontecer em vida, acontecerá com certeza no mundo espiritual, porque, como vimos, o terceiro estado dos que morrem e entram no mundo espiritual é o estado de instrução, quando as ideias errôneas são removidas, e as pessoas aprendem e recebem ensinamentos adequados ao amor celeste. Esses ensinamentos são como uma vestimenta de bodas, que a pessoa recebe antes de entrar em sua sociedade celeste. Por isso, sendo como vasos de verdades internas e celestes, esses relatos literais, por mais simples que pareçam, devem, contudo, ser ensinados assim como estão na Bíblia às pessoas cujo entendimento não pode ser elevar acima dos sentidos, pois, para uma mente simples e infantil, é a maneira como podem ser recebidos os vasos que na vida futura serão preenchidos pelas verdades celestes. Se hoje podemos ter nosso entendimento elevado a ponto de podermos compreender além e acima do sentido literal, é uma dádiva de Deus, um privilégio pelo qual somos gratos a Ele.
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