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O Livro de Gênesis

O Terceiro Dia da Criação

Quarta videoconferência de uma série

sobre o sentido espiritual do livro de Gênesis

 

“E disse Deus: Ajuntem-se as águas abaixo do céu em um único lugar, apareça o seco. E foi feito assim. E chamou Deus ao seco, terra; e ao ajuntamento das águas chamou mares; e viu Deus que era bom. E disse Deus: Faça germinar a terra a erva tenra; a erva dando semente; a árvore de fruto dando fruto, segundo a sua espécie, na qual esteja sua semente, sobre a terra. E foi feito assim. E produziu a terra erva tenra, a erva dando semente, segundo a sua espécie, e a árvore dando fruto, no qual estava a sua semente, segundo a sua espécie. E viu Deus que era bom. E houve tarde, e houve manhã, o dia terceiro.” (Gên.1:9-12).

Entramos agora no terceiro dia ou estado sucessivo da nova criação.

Os Arcanos Celestes nos dizem que nesse terceiro estado começa o que se chama de penitência, que é o afastamento ou abstenção dos males. No primeiro e no segundo estados, começou a haver uma mudança no modo de pensar, o que ocorre no entendimento. Mas no terceiro dia começa a se fazer a mudança no modo de agir, na área da vontade, o próprio ser da pessoa, porque a vontade ou o amor é a pessoa mesma, enquanto o entendimento ou a razão é a forma externa da vontade ou amor.

A mudança no modo de pensar é relativamente fácil, mas a mudança no modo de agir é mais difícil, porque envolve os hábitos, os costumes e as afeições, que são o amor mesmo da pessoa. É por isso que no terceiro dia têm início o combate da penitência, a luta entre o homem externo e o homem interno, com vista à regeneração.

O ajuntamento de águas em um só lugar faz aparecer a porção seca, a terra, que é a mente externa. Aqui se trata da distinção entre a memória e o pensamento, ambos na mente externa do homem. A porção seca aparece quando a pessoa começa a ter realmente noção do que se passa nessa mente, quando começa a analisar os seus pensamentos e refletir sobre a qualidade e a origem deles, e descobre, entre outras coisas, que os pensamentos são provenientes de afeições de sua vontade. Quando a pessoa examina seus pensamentos, é como se ela examinasse de outro pensamento, de cima, um pensamento vendo e analisando o outro, porque, de fato, conforme nos ensinam os Escritos de Swedenborg, temos um pensamento exterior e um interior: o exterior, que pensa, e o interior, que julga o que estamos pesando.

As águas assim reunidas num só lugar, ou os conhecimentos recebidos, reunidos e classificados na memória, são chamadas “mares”, no relato da criação. É da memória que nos chegam as ondas contínuas de pensamento, como já vimos na vez passada.

Ainda que assim pareça, essas ondas de pensamento não nos chegam aleatoriamente ou do nada, mas são emanações de nossas afeições, as quais, por sua vez, recebem o influxo de anjos e espíritos no mundo espiritual, e estes o recebem do Senhor, como o Sol do mundo espiritual. Assim, todo sentimento, toda sensação, toda afeição ou todo amor, foi, em sua origem, uma emanação do Divino Amor do Criador, mas cada um recebe e retransmite em conformidade com a sua própria natureza. E os Escritos fazem uma ilustração muito apropriada disso com o reino vegetal, pois o sol natural influi em todas as plantas com igual luz e calor, mas cada planta recebe o influxo à sua maneira e produz conforme a sua espécie.

 “E disse Deus: Faça germinar a terra a erva tenra; a erva dando semente; a árvore de fruto dando fruto, segundo a sua espécie, na qual esteja sua semente, sobre a terra. E foi feito assim.”

No terceiro dia é a terra que começa a produzir algo. Ora, se a “terra” é o homem externo, vê-se claramente que essas produções, as ervas, a árvore e seu fruto, são as primeiras obras que a pessoa começa a praticar como por si mesmo quando está sendo regenerada pelo Senhor. Porque, ao ser inspirado pelos conhecimentos acerca da religião (os “mares” ou “águas ajuntadas em um único lugar”), o homem natural começa a pensar com mais retidão sobre seu próximo e sobre Deus, e leva isso em conta nas coisas que ele faz e deixa de fazer. Esses pensamentos mais elevados são as sementes de uma nova vida, uma nova vontade, que será criada e implantada gradativamente. É um processo, cujas etapas são representadas aqui pelo que a terra produz: a erva tenra, a erva dando semente e a árvore de fruto.

Nesse estado, do terceiro dia, as obras são praticadas por mera obediência ao que foi aprendido. As ações e atitudes procedem ainda de uma obediência intelectual, de um senso de dever para com Deus, e não são, ainda, os bens da caridade, porque não provêm de alguma vontade, pois a vontade nova ainda não foi implantada. Na realidade, a vontade que está ativa é ainda a velha vontade, o velho homem. Essa velha vontade, quando se vê contrariada pelo novo modo de agir, resiste à mudança e põe obstáculos à obediência da fé. É essa oposição da velha vontade que resulta num combate entre o novo e o velho na pessoa. Por isso é que se diz que o terceiro dia é o estado de penitência, que é uma batalha mental para se abster dos males.

O que se passa com o homem nesse terceiro estado é o seguinte: as obras que ele então começa a praticar, significadas pela erva tenra, a erva dando semente e a árvore de fruto, são motivadas pelo amor irregenerado, que é o amor a si mesmo acima do amor a Deus e ao próximo.

Mas, se o homem persiste, luta contra essa resistência e obedece aos ditames de sua fé, então ele é como a terra que começa a produzir o vegetal. Nessa fase, porém, ele pensa e sente que faz tais bens e fala tais verdades por si mesmo, por seu próprio esforço, sua própria bondade e honestidade. E aqui acontece algo interessante: o bem que a pessoa pratica por obediência lhe traz um sentido de realização, uma alegria diferente, nova, por ter agido bem, pela caridade e pela fé, e ele considera ser esse contentamento um sinal de que tem amor ao próximo e a Deus. O prazer em ser útil tem si, essa gratificação. É então que o homem percebe em si uma afeição como se fosse celeste, fruto do seu novo nascimento.

Todavia, o caso não é bem assim. Vejamos como realmente se passa no terceiro dia. E, para isso, vamos tomar uma ilustração tomada do livro do Êxodo.

Lemos que, quando o povo de Israel saiu do Egito, bem antes de chegarem à terra prometida, Moisés enviou espiões para ver como seria aquela terra à frente deles. Esses espiões foram lá e, depois de quarenta dias, voltaram com uma notícia dupla: disseram que era, sim, uma terra que manava leite e mel e de lá trouxeram como provas um cacho de uvas tão grande que dois homens a tinham de transportar, além de romãs e figos. Mas disseram, também, que naquela terra habitavam inimigos terríveis, gigantes, a ponto de eles se sentirem como gafanhotos, comparados a eles. O povo teve medo dos inimigos. No entanto, por causa dos bons frutos que viram, foram animados por Josué e Calebe a seguirem em frente.

Pois bem, esse prazer celestial que a pessoa sente no terceiro dia, quando obedece na vida diária os princípios da fé, são como os frutos da terra que mana leite e mel. São as amostras da alegria do céu que o Senhor dá àquele que está sendo preparado pela regeneração. Não são prazeres celestes mesmos, mas uma amostra, que os Escritos chamam de inefável, porque vem do íntimo, desde o Divino Amor..

E por que os atos do homem, no terceiro estado, são simbolizados pelos vegetais? Porque como os vegetais, esses atos têm algo de vivo, mas são ainda inanimados. E por que são inanimados? Porque nessa fase da regeneração os motivos próprios o homem ainda são centrados em si mesmo. Ele ainda tem em vista o mérito nas obras que pratica. Por exemplo, como agora está vivendo na bondade prescrita pela religião, pensa que tem direito ao galardão do céu, por merecimento, e Deus lhe deve obrigatoriamente levá-lo o céu e dar-lhe todas as bem-aventuranças na vida presente e futura. Mas os Arcanos Celestes dizem, neste ponto, “quem pensa que o bem e a verdade vêm de si mesmo, não tem ainda a vida da verdadeira fé, a qual pode vir a receber, porém, mais tarde.” (29).

Veremos depois, no quarto dia, que serão criados o Sol e a Lua. Estes representam o verdadeiro amor e a verdadeira fé implantados no homem. Enquanto isso, enquanto não age pelo verdadeiro amor espiritual, a pessoa age e deve agir pela obediência. Por isso os frutos de sua fé ainda não são realmente vivos, mas também não são a morte. Porque, neste estado, o homem “está no estado de preparação para receber a vida da fé... que ele pode vir a receber mais tarde” (29). O fato é que, no terceiro dia, o homem espiritual ainda não nasceu, e sua vida é semelhante à vida do embrião ou do feto no útero.

As obras que a pessoa pratica no terceiro dia, significadas pelos vegetais, têm como motivação as afeições naturais, como a ambição, o orgulho e o medo. Ambição pelo céu, baseada no merecimento da salvação como recompensa da própria justiça e, também, do galardão celeste. O orgulho da própria bondade ou, até, da própria fé, por se achar “escolhido” ou por pensar que tem intimidade com Deus e Deus vai lhe dar tudo o que ele pedir com fé. E o medo é o terror do fogo do inferno, da condenação eterna. Essas coisas estão no íntimo ou na intenção de todos os atos no começo. Espiritualmente falando, a pessoa é como a criança que é ensinada a obedecer por causa da recompensa ou do castigo.

A despeito dessa noção obscura e dessas ações ainda egoísticas, o Senhor, não obstante, não rejeita o homem, mas o está direcionando cada vez mais da tarde para a manhã, para uma fé e vida verdadeiras, como veremos pelo que está representado no quarto, quinto e sexto dias da criação.

O fato é que na nossa jornada espiritual ou nossa gestação de nosso novo nascimento, o Senhor muda gradualmente os nossos motivos. Ele tira os enganos, as vãs ambições e o medo, e implanta em nós o amor verdadeiro para com o próximo. E o amor verdadeiro tem três características: altruísmo, comunhão e utilidade, conforme veremos no quarto dia. Sem qualquer um desses três, o amor não é genuíno.

O Senhor tira o vazio de nossas vidas, e nos dá um alvo, um sentido à nossa existência, que é a vida de usos, porque fomos criados neste mundo para sermos preparados para o céu, e o reino dos céus é o reino dos usos. Mas Ele não pode promover essa transformação instantaneamente. Porque não pode extirpar de uma só vez as más inclinações, os sentimentos negativos e maléficos, pois eles fazem parte da identidade, da experiência, da personalidade do indivíduo, e isso seria anular ou aniquilar o ser mesmo da pessoa. Mas, com mão branda, porém poderosa, nosso Criador muda quase imperceptivelmente os rumos de nossa caminhada espiritual, sem constranger nossa liberdade, e reforma nosso entendimento, regenera nossa vontade. Quanto mais nos voltarmos para Ele e nos esforçarmos para obedecê-Lo, mais enxergaremos a luz, a luz que alumia nossas almas, que dissipa as trevas da ignorância e nos faz enxergar a real natureza de nosso ser.

Notamos bem a progressão, nesse estado da regeneração, na ordem em que os vegetais são citados: primeiro, a erva tenra; depois, a erva dando semente; enfim, a árvore frutífera dando fruto. Isto vem de que, mesmo que as obras que o homem então faz sejam espiritualmente inanimadas, como, porém, o Senhor o está guiando, esses atos vão se tornando cada vez mais vivos e úteis, e isso na mesma proporção que o homem combate, como por si mesmo, as concupiscências no seu externo irregenerado.

Nessa progressão, a “erva tenra” são as primeiras concepções da fé que ele adquire em seu externo, os primeiros doutrinais em que acredita porque viu que são verdades do Senhor. A “erva dando semente” são essas verdades, mas agora visando um uso (AC 57), as quais ele toma como princípios para a sua vida. E a “árvore dando fruto, no qual está a sua semente” é, finalmente, um bem útil, algum uso que então passa a desempenhar em favor do próximo e do Senhor, mesmo que o homem não seja, ainda, movido pelo amor e fé genuínos.

É importante salientar que essa progressão, desde a erva até o fruto da árvore, só acontece quando a pessoa combate a letargia de seu comodismo com os prazeres naturais e corpóreos e se esforça para vencer a força oposta dentro dele mesmo. A resistência oposta é alimentada por maus espíritos, que não querem que tal progressão aconteça, pois eles não querem perder sua moradia nas coisas egoísticas e impuras que há na mente e no coração da pessoa.

Então, para alcançar progresso nesse estado, o homem tem de constranger a si mesmo, tomar o leito em que se deita acomodado em sua paralisia espiritual e, mediante a ordem do Senhor, levantar e andar.

Por conseguinte, a pessoa nunca deve esperar ter vontade de fazer a penitência, nunca esperar ter vontade para se instruir na Palavra e nas Doutrinas, nunca esperar ter o amor genuíno, pois, no começo, essa vontade não existe e nunca virá, pois o amor que reina ainda é contrário. Notemos que o amor genuíno só existirá no quarto estágio da regeneração, quando são criados o sol e a lua em seu espírito. E o quarto estágio só existe quando é passado o terceiro. E o terceiro é o de penitência, de luta contra o mal, de luta contra si mesmo, como o Senhor disse: “Quem quiser vir após mim, tome a cada dia a sua cruz, e siga-Me”.

“E produziu a terra erva tenra, a erva dando semente, segundo a sua espécie, e a árvore dando fruto, no qual estava a sua semente, segundo a sua espécie. E viu Deus que era bom. E houve tarde, e houve manhã, o dia terceiro.”

 

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