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A hereditariedade humana - II
Sétima videoconferência de uma série sobre temas diversos das Doutrinas Celestes
Na semana passada nós falamos a respeito da hereditariedade humana a partir de ensinamentos contidos nas obras teológicas de Swedenborg. Falamos que, além da hereditariedade física ou biológica, existe uma herança de faculdades do espírito, que são as inclinações transmitidas de uma geração para outra. Essas inclinações são chamadas, nos Escritos de Swedenborg, bens e males hereditários, os quais, por serem herdados, por si sós não condenam o indivíduo. Vimos que o ser homem recebe essa herança como uma base na qual e sobre a qual ele adiciona ou tece a sua própria vida e personalidade, seguindo as mesmas inclinações da hereditariedade ou afastando-se delas, segundo seu livre arbítrio. E, na conclusão, mencionamos que uma reflexão sobre a hereditariedade nos leva, quase sempre, a outra reflexão, sobre a justiça Divina. Pois é difícil ver onde se aplica a justiça de Deus no fato de alguns herdarem condições favoráveis enquanto outros herdam condições deploráveis. Essa disparidade parece depor contra a ideia de um Deus justo, ao criar pessoas em condições tão diversas da vida. No passado, algumas pessoas, por não quererem atribuir essa aparente injustiça a um Deus bondoso, imaginaram a hipótese de que a alma ou espírito tem vida e vida consciente antes da formação de um corpo no útero materno, e, sendo assim, como espírito e alma ainda sem um corpo, o indivíduo é quem escolhe e define, por diversas razões, como nascerá, quem serão seus pais, e assim por diante, e esse pensamento ou doutrina isentaria Deus do aparente problema de injustiça. No entanto, os Escritos de Swedenborg nos proporciona outra forma de compreender essa questão, e, para demonstrar esse outro ponto de vista, é necessário partir de algumas premissas A primeira: o Amor Divino se estende a todos os seres humanos, e os envolve, sem exceção. Ele “faz que seu sol saia sobre maus e bons, e chove sobre justos e injustos.” (Mt. 5:45). Como Pai justo, Ele não privilegia ou prefere uns em detrimento de outros, pois se amasse a uns menos do que a outros, e, pior ainda, se excluísse alguém de Sua compaixão, Seu amor seria imperfeito e não Divino. Sendo assim, se alguns herdam dos pais características ou têm nesta vida condições mais favoráveis do que as de outros, isto não deve ser explicado como alguma preferência, ou privilégio ou bênção especial dados por Deus, porque Ele quer o bem de todos igualmente. A segunda premissa, como consequência, é que Deus, por amar a todos igualmente, também predestinou a todos para o céu e a ninguém predestinou para o inferno, pois é inconcebível a ideia de um pai que queira a salvação de um filho e a condenação de outro, ainda mais Deus. Mas, ainda que queira levar o homem para o céu, Ele não pode fazer isso sem a escolha e a cooperação do homem, porque isso seria violar o livre arbítrio segundo o qual o homem é homem. É por isso que Ele não criou o homem logo no céu, mas, primeiro o cria e o põe na terra, para que o homem seja consultado, escolha e decida o propósito do Amor Divino. De fato, um homem levado à força e contra a sua vontade para o céu seria mais infeliz do que outro que escolhe o inferno por sua própria vontade. A terceira premissa é que a alma humana é criada na concepção, o corpo no processo da gestação, e o espírito no primeiro fôlego de vida. Dessa forma, não haveria como o homem ser consultado quanto a coisa alguma antes de nascer, pois sequer tem vida plena, e nem saberia o que é o bem e o mal. Por isso, a Providência Divina põe em ordem todas e cada uma das coisas da formação do indivíduo, desde a sua hereditariedade até o meio e as condições de vida que ele terá, sempre tendo em mente o que será mais favorável e mais adequado à vida desse indivíduo na eternidade. O desígnio de Deus leva em conta essencialmente a felicidade eterna do indivíduo e, se for possível, também no mundo material, mas somente no que for útil e benéfico à vida eterna. A última premissa é que Deus, sendo eterno e infinito, não está limitado pelo tempo e o espaço, mas está presente em todo tempo, passado, presente e futuro, e em todo espaço, em cada partícula criada do universo material e espiritual. Não há lugar onde Ele não esteja. E porque está assim presente, Ele é Onisciente, pois vê e percebe todas e cada uma das coisas em todos os lugares e tempos. Sendo onipresente, também é onisciente, pois um atributo d’Ele exige e pressupõe o outro. Por isso, ao criar o homem no tempo e no espaço, Ele já viu de antemão o que o homem seria, como disse o salmista: “Não se escondeu de Ti o meu osso, quando no oculto fui formado; (...) no Teu livro foram escritos todos os dias em que foram formados, e nem um deles falta” (Sl. 139:15, 16). Por “todos os dias escritos” se entendem todos os estados da vida (AE 199:2). Por Sua Onisciência previu cada milionésimo de segundo do tempo de nossas vidas, antes de o tempo existir no universo. E por Seu Amor e Providência, Ele proveu de antemão para que todas e cada uma das circunstâncias de nossas vida que pudessem contribuir para nos levar a uma vida eterna. Mesmo os infortúnios, os acidentes, os ataques, as enfermidades, sofridos por nós ou causados por nós, foram percalços e tropeços que Ele já tinha previsto, e, porque os previu, também proveu os remédios e as compensações. Por causa da natureza humana e da vida terrena, Ele não pôde evitar todos, mas os submeteu a uma lei: só permitir os males dos quais podem ser tirados bens que os superem. Neste ponto, pode ser levantada uma questão: O fato de Ele ter visto com antecedência todas as circunstâncias, fatos e feitos de nossa vida não tira nossa liberdade? Alguns têm conjeturado que sim: se Deus sabe o que vou fazer, então não sou livre para fazer outra coisa. Mas a resposta correta é não. Absolutamente não. Porque a aparência de que a vida é nossa, de que os pensamentos são nossos, somos os senhores etc., é tão forte, é tão real, que agimos absolutamente conforme nossa vontade. Não percebemos a ação de Deus, propositalmente. E essa sensação é tão real que muitos negam até que Deus existe. Essa sensação de que Deus está ausente ou, até, de que Ele nem existe, pode ser vista em outra parábola semelhante, a dos trabalhadores da vinha: “Um certo homem plantou uma vinha, e arrendou-a a uns lavradores, e partiu para fora da terra por muito tempo.” A ausência do dono da vinha é essa aparência que o indivíduo tem, de que Deus não vê, ou não interfere, para que o homem aja por si mesmo sem o menor constrangimento nas matérias espirituais. Em resumo, o livre arbítrio que Ele deu ao homem é real que implica a possibilidade de o homem ignorar ou negar Deus, e Deus respeita e preserva esse livre. Assim, o ateísmo acaba sendo uma prova de que o homem tem liberdade espiritual, pois Deus nunca se impõe, não constrange o homem a crer nem a aceitar Seus desígnios Divino. É, portanto, por causa dessa liberdade que podemos dar continuidade à nossa herança espiritual ou andar em direção oposta a ela, fazendo escolhas como se Deus estivesse ausente. Deus, porém, em Sua infinita sabedoria, previu o que nós seriamos e escolheríamos fazer, e antes que nós existíssemos conhecia perfeitamente nosso caráter. Por isso é que nos criou dentro de determinadas circunstâncias, parentesco, meio etc., mais adequadas para a nossa formação Vemos isso na parábola dos talentos: o homem designou quantidades diferentes de talentos a seus empregados, a cada um segundo a sua capacidade. A um deu 5, a outro 2 e a outro apenas 1. Ele conhecia bem seus empregados e bem sabia o que cada um poderia fazer ou deixar de fazer. Por isso deu mais ao que faria bom uso e pouco ao que faria mau uso. Ora, a capacidade estava no indivíduo, numa condição ou habilidade desenvolvida por cada um deles, e não no patrão. A diferença na quantidade de talentos recebidos era, portanto, por causa deles mesmos e não por alguma preferência especial do patrão. Os talentos significam as verdades espirituais, e empregá-los bem significa aplicar as verdades na vida, do que resulta a nossa regeneração. Mas, num sentido mais amplo, os talentos são todas e cada uma das condições em que nascemos. Como trabalhadores da vinha, recebemos talentos diferentes porque somos pessoas diferentes, mas numa coisa o Senhor nos iguala: na oportunidade que Ele nos dá para usarmos o que recebemos, seja pouco ou seja muito. A responsabilidade é a mesma, e teremos de prestar conta do que fizemos com todas as aquisições que Ele nos proporcionou, desde o momento da concepção natural. Temos de olhar para a parábola dos talentos não quanto à diferença dos valores recebidos por cada um, mas pela igualdade de oportunidade. A oportunidade de usar bem o talento foi dada igualmente a todos, e é nessa oportunidade igual que deve ser vista a justiça Divina. Cada um de nós foi criado como uma pessoa única, diferente de todas as outras. Aliás, não existem duas coisas iguais em todo universo, nem sequer um grão de areia que seja absolutamente igual ao outro, nem uma folha de árvore igual a outra, nem um pensamento igual a outro. Nessa variedade da criação vemos a grandeza da sabedoria Divina. Deus anteviu cada um de nós antes de sermos criados; anteviu o que seríamos no decorrer de toda a nossa vida, desde o momento da concepção até o último suspiro neste mundo; anteviu as escolhas que faríamos, os menores pensamentos e as menores ações. E, nessa previdência sapientíssima, Ele proveu as melhores condições possíveis, dando-nos a melhor hereditariedade, as melhores condições possível na vida natural, tudo em função de nossa vida eterna. E não nos dotou de coisa alguma que pudesse impedir Seus designíos de amor por nossa bem-aventurança. Por causa de nosso livre arbítrio, que é algo sagrado, por assim dizer, Ele não impede que às vezes andemos por caminhos tortuosos; mas ele pôs atalhos e desvios nesses caminhos, apontando a alternativa do caminho certo. Ele não impede que às vezes andemos por lugares sombrios, mas ele acende luzes e põe avisos à nossa frente. Ele não quebra de uma vez as nossas ilusões e males, mas cria as circunstância para nos inclinar, para nos atrair na direção do que é verdadeiro e bom. Ele “não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça. A cana trilhada (Ele) não quebrará, nem apagará o pavio que fumega; em verdade, produzirá o juízo. (Isaías 42:2, 3). A fim de esclarecer mais essas questões, permitam-me fazer mais uma ilustração. Vamos supor que um milionário, um benfeitor, queira promover uma corrida de 100 metros com vários corredores, seus amigos. E vamos supor que essa é uma corrida diferente, porque o promotor quer dar o prêmio de 1 milhão de reais a todos os corredores. Todos terão a oportunidade de receber o prêmio, contanto que cruzem a linha de chegada. E mais, que nenhum se vanglorie de ter chegado na frente dos outros. Acontece que, dentre os corredores, um é atleta maratonista, tem resistência; outro é atleta de corrida rasa, de 100 menos, tem menos resistência, porém mais velocidade. E outro não é atleta, mas uma pessoa normal, quase sedentária. É óbvio que capacidades desses competidores são muito diferentes. Todavia, o promotor quer que todos cheguem juntos e quer premiar a todos. Então, o que ele faz? Obviamente, ele cada um numa distância diferente da linha de chegada. Assim, as capacidades desiguais fazem com que, necessariamente, os corredores partam de pontos diferentes. E quem observar a posição desses corredores antes da largada, sem conhecer a intenção do promotor, pode pensar que não é justa a definição de três diferentes posições de largada. Todas as ações da Providência Divina têm em vista principalmente a eternidade, a salvação de todos. E, como somos pessoas diferentes, com diferentes hereditariedades e vida, sempre haverá desigualdades nesta vida, exatamente por causa da justiça Divina, porque ela nos iguala na oportunidade igual para todos de alcançarem o que o apóstolo Paulo chamou de “prêmio da soberana vocação”. E é válido lembrar que, nessa corrida, os corredores não estão competindo um contra o outro, mas cada um está competindo contra si mesmo. Se alguém não se dispõe a correr, ou se se desviar de sua raia e tomar outro rumo, será derrotado por si mesmo, e a culpa do fracasso não pode ser atribuída ao promotor, pois oportunidade ele teve, a mesma que a dos outros. As diferenças individuais de capacidade são devidamente compensadas pela sábia posição em que Deus coloca cada um neste mundo. Quando nos voltamos para o Senhor e nos sujeitamos ao processo da regeneração espiritual, entramos numa competição contra nós mesmos, nossas mazelas, nossa apatia e indolência espirituais, nosso conformismo com os erros do mundo. Não importa o que herdamos de nossos pais, não importa o tempo e o lugar em que nascemos; não importa as condições de vida, por mais negativas e precárias que tivemos e temos. O que importa é que: Deus nos ama, Ele quer nosso bem na vida eterna, e Ele nos deu tudo o de que precisávamos em função da vida eterna, não necessariamente em função da vida material e transitória. Em outra parábola dos Evangelhos, o Dono de uma vinha contratou empregados para trabalhar na sua vinha. Uns foram contratados e começaram a trabalhar logo pela manhã; outros o foram à tarde, e os últimos só foram contratados na última hora. Não obstante, todos foram pagos com o mesmo salário. Daí, aqueles que tinham sido contratados no começo do dia passaram a murmurar contra o dono da vinha, por terem trabalhado mais e serem igualados no salário. O problema é que esses queixosos não estavam olhando para o salário que receberam, mas para o dos outros e faziam comparações. De fato, eles buscavam o próprio merecimento. Talvez, se não soubessem quanto os últimos tinham recebido, teriam ficado contentes com o pagamento. Mas a inveja, a ambição e a falsa noção de mérito próprio os fizeram cegos para a recompensa que tinham, e ambicionavam mais do que outros. Eles não entenderam que o dono da vinha, em sua justiça, pagou exatamente o que fora ajustado com eles. Mas, além de ser justo, o dono era bom, e queria dar o bem igual a todos. Se prestarmos atenção somente nas diferenças quanto à hereditariedade e a condição de nossa vida terrena, não veremos onde está a justiça de Deus. Porque ela só se manifestará no final de nossa jornada, na salvação, e não durante o caminho, como se lê em Jeremias “...até que ele execute e cumpra os desígnios do seu coração; nos últimos dias, entendereis isso claramente.” (Jer. 23:20). Portanto, nosso ser é composto tanto de nossa hereditariedade espiritual, quanto dos vícios e virtudes que nós mesmos viermos acrescentando, até o dia em que permitirmos que as verdades formem nossa consciência. É quando a obra da criação Divina de um novo ser começa em nós. Para isso, o Criador provê todos os meios adequados e necessários, a fim de alcançarmos a recompensa que Ele designou para cada um de nós e que espera um dia nos entregar.
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