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A hereditariedade humana - I
Sexta videoconferência de uma série sobre temas diversos das Doutrinas Celestes
Há muito tempo nós conhecemos, pela ciência, as principais leis que governam a hereditariedade dos seres vivos, animais e vegetais, e de que maneira as características mais marcantes de cada geração são transmitidas à geração seguinte em conformidade com certa ordem constante dos genes dominantes e recessivos. Mas as informações da ciência se limitam, todas, ao aspecto biológico, ao lado físico ou material da hereditariedade, aquelas características que se mostram de forma visível no corpo, tais como a constituição anatômica e fisionômica dos indivíduos, a sua predisposição para certas doenças ou sua resistência a elas, e assim por diante. O que, porém, não se estudou ainda, ou talvez ainda não se saiba, é que existe também uma hereditariedade espiritual, porque certas faculdades do espírito são igualmente transmitidas às gerações seguintes e elas também seguem leis específicas. E quando falamos de faculdades do espírito, estamos nos referindo a tudo aquilo que está acima do corpo físico, que pertence à mente do indivíduo, pois tudo o que escapa à observação natural é em si espiritual. Por isso é que um cientista pode examinar o cérebro e o cerebelo e estudá-lo até as suas partes mais interiores, neurônios, cromossomos, ou o que seja, mas nunca verá uma única ideia do pensamento ali, pois as partes orgânicas são o material, enquanto as ideias e as afeições são o espiritual que reside ali, mas numa outra dimensão. Os Escritos teológicos de Swedenborg nos falam dessa hereditariedade espiritual e das leis que a regem, e é isto que queremos abordar hoje. Assim como ocorre com a genética natural, os genitores também passam para os filhos características espirituais dominantes e secundárias, decorrentes de seus amores e das afeições derivadas desses amores. Eles não transmitem as afeições em si mesmas, mas as inclinações ou predisposições para elas. E essas inclinações herdadas são a base para a formação da identidade do indivíduo. Mas, embora sejam somente inclinações, elas são tão fortes que influenciam toda a vida da pessoa neste mundo e na eternidade. As inclinações transmitidas se referem à parte voluntária da mente, mas não a intelectual. São apenas as tendências da vontade, mas não os conhecimentos ou as informações do entendimento. Nesse aspecto, o ser humano difere do animal, pois o animal irracional herda da geração anterior, e passa para a geração seguinte, tanto a vontade quanto o análogo de um entendimento, que é o instinto, o qual consiste em todo o conhecimento de que o animal necessitará na vida. Já o ser humano nasce com o entendimento praticamente vazio, e deve adquirir como por si mesmo todo o conhecimento necessário para a vida. Isto acontece por causa do livre arbítrio, para que cada um aprenda e forme seu caráter conforme desejar. Essas inclinações transmitidas são tanto positivas quanto negativas, bens ou males hereditários. Os bens hereditários são a predisposição para as virtudes de família, como o amor mútuo, a bondade, o respeito aos pais, a honestidade, a empatia, a generosidade e assim por diante. Essas inclinações familiares virtuosas são o que os Escritos de Swedenborg chamam de “bem natural”. Contudo, esse bem, por ser de origem humana, seja herdado ou adquirido, difere do bem genuíno, que é o bem espiritual, pois este é adquirido racionalmente durante a regeneração. Sendo assim, não importa quão virtuosa seja a família e os bens naturais passados aos filhos, a pessoa precisa nascer de novo, ser gerada novamente pelo Pai celestial, a fim de nascer para a vida eterna. Como o Senhor disse a Nicodemos: “Necessário vos é nascer de novo”. O bem natural é voltado à vida terrena, natural e moral, enquanto o bem espiritual se refere à vida eterna. O bem natural, além de ser transitório e terreno, pode, às vezes, ocultar e mascarar um mal do espírito (AC 216). Por exemplo, uma pessoa pode ser generosa aos olhos do mundo, mas, interiormente, almejar fama e grandeza por meio dessa generosidade. Seu desejo de ser louvada e reconhecida por causa do bem que pratica faz que esse bem seja meritório e, portanto, inválido, porque seu propósito real egoístico. Assim era o bem hipócrita e impuro dos fariseus. A intenção má que está por dentro contamina e aniquila o bem que está fora (AC 1687), e é por isso que o bem natural ou hereditário não é um bem genuíno (vide AC 6208). Por esse motivo, as obras de Swedenborg não se detêm muito em falar das inclinações hereditárias boas, mas falam muito das inclinações más, ou do mal hereditário, porque esse compromete a bem-aventurança da pessoa na vida eterna. O bem espiritual é diferente, porque nasce não da hereditariedade, mas da consciência formada pelas verdades da fé. É o bem que nasce da obediência às leis Divinas, diferente, portanto, da bondade natural herdada. A teologia católica, ensina sobre o pecado original. Segundo esse dogma, todo ser humano herda de Adão esse pecado e, por conseguinte, a culpa. Mas a nossa razão nos diz que ninguém pode ser considerado culpado pelo crime cometido por outrem. O pecado de um pai não pode ser imputado ao filho, muito menos o pecado cometido por um ancestral tão distante. Assim, o que eles ensinam como “pecado original”, nós entendemos não como pecado em si, mas como uma mera inclinação, a qual, por si mesma, não é condenável. E não vem somente de Adão, mas sobretudo dos pais. Lemos, sobre isso, na obra Arcanos Celestes 494: “Todo mal ativo nos pais se reveste de uma espécie de natureza, e, quando é evocado frequentemente, torna-se natural, e é adicionado ao hereditário, e transplantado nos filhos, e assim, nos descendentes; e, dessa maneira, o mal hereditário aumenta imensamente na posteridade. Cada um pode reconhecer isso pela má índole dos filhos inteiramente semelhante à dos pais e avós. É inteiramente falsa a opinião dos que pensam que não há outro mal hereditário além daquele que dizem ter sido implantado por Adão (vide n. 313), quando, todavia, cada um, por seus (males) ativos, ou pecados, faz o mal hereditário, e ajunta-o aos adquiridos de seus pais, e, assim, o acumula, o que fica em toda posteridade, a não ser que seja moderado pelo Senhor nos que são regenerados.” Os males praticados de propósito deliberado e reiterado acabam se aderindo à natureza da pessoa e fazendo parte dela; e, com o tempo, a pessoa se torna a forma daquilo que ela ama ou faz por prazer. Quando gera filhos, a natureza da pessoa é transferida como tendências que o filho tem para os mesmos males. Esse é o mal hereditário. Nos pais, são ações; nos filhos, são inclinações. Mas, se os filhos, quando chegam à idade da razão, se deixarem levar por essas inclinações herdadas, essas inclinações se tornarão também males ativos, ou da prática, e o que antes era mal hereditário se torna, então, mal de fato e condenável. Essas tendências, enquanto forem somente tendências, enquanto não se tornam atos deliberados da vida, não condenam, porque não pertencem ainda à pessoa, mas aos pais e ancestrais. Isto é o que acontece com as crianças, que, embora tenham inclinações hereditárias para o mal, elas estão, contudo, na inocência da ignorância e são desculpáveis. Em outras palavras, ninguém é culpado pelo mal hereditário, mas tonar-se-á culpado se, na idade adulta, no uso e gozo da razão e da liberdade, prosseguir nos caminhos herdados dos pais. Para ilustrar esse ensinamento, eu gostaria de abordar novamente uma comparação que fiz numa das palestras aqui, no ano passado, com um exemplo tomado da arte ou indústria da tecelagem. Desde os primórdios da história, quando o homem começou a fazer tecidos a partir de fios de linho, seda, algodão etc., os tecidos são fabricados com duas características: o urdume (ou urdidura) e a trama. Urdume é a disposição dos fios no sentido longitudinal. É com essa disposição que se começa a tecelagem, como base. E a trama é a disposição dos fios no sentido transversal, passando-se por cima e por baixo dos fios do urdume, sucessivamente, a fim de dar ligamento, forma e aparência definitiva ao tecido. O urdume é a base, e a trama é o que une, forma e completa o tecido. Então, quando aplicamos esse exemplo da tecelagem à hereditariedade, dizemos que os fios puxados longitudinalmente são os traços herdados da natureza do pai da mãe. Essa é base de um novo ser, o filho, em quem as duas hereditariedades se fundem como o pano de fundo, como o urdume mental / espiritual da criança. Já os fios que são inseridos transversamente, da trama, são os pensamentos do entendimento e as afeições da vontade que a criança começa a mesclar com a sua hereditariedade do forma cada vez mais consciente, até a idade adulta. O resultado dessas duas direções, o hereditário e o ativo, o urdume e a trama, é o tecido da personalidade única que cada um forma e desenvolve para si. Então, no momento mesmo da concepção, o urdume do tecido de um novo indivíduo já é posto no tear de sua existência. E quando a gestação se completa, a criança nasce e respira, quando Deus sopra nas suas narinas o fôlego de vida, em então começa a sua vida material. É então que, entrelaçando-se com os traços hereditários, começa a formação da trama, o tecido único da individualidade. Tudo o que a criança começa a experimentar, aprender, querer, pensar e sentir, passará a ser parte de sua personalidade, mesclando-se com as heranças mentais familiares. Cada sensação, cada afeição, cada aprendizado, é como se fosse um fio novo transpassando os fios da hereditariedade, no que se vai formando esse tecido com estampa e textura próprias.
É interessante observar o ensinamento dos Escritos de Swedenborg a este respeito, quando diz que as inclinações mais internas da mente são transmitidas pelo pai, enquanto as mais externas o são pela mãe. Sendo assim, as inclinações hereditárias mentais paternas são determinantes, e as da mãe são secundárias, mesmo que, no corpo, as características maternas possam ser dominantes. Cumpre lembrar que estamos falando da hereditariedade no plano da mente ou espiritual, porque, no que concerne à hereditariedade natural, os traços maternos e paternos se fundem e se misturam, de modo geral. A razão de a hereditariedade vinda do pai ser predominante e mais interior é porque ela é transmitida pela alma. Esse é um dos arcano que as obras de Swedenborg expõem, que a alma de um indivíduo é transmitida pelo pai, mas o corpo, pela mãe. A alma é transmitida pela semente paterna, porém ela não vem do pai, mas é criada por Deus. Desde a concepção, quando a semente paterna se une à materna, a alma começa a formar em volta de si um corpo, tomando do útero da mãe as substâncias mais puras da natureza com que edifica o corpo. Mas, de fato, não é alma que faz isso, mas Deus, que está presente na alma humana como em sua morada, e é a ação da Providência Divina que governa, dirige e conduz a alma humana em toda a formação do corpo no útero, sem que a mãe tenha sequer a mínima noção do que se passa. Então, sejamos homens ou mulheres, não importa, nossa alma e os aspectos mais internos de nossa mente vieram do nosso pai, enquanto o corpo e os aspectos mais externos de nossa mente vieram de nossa mãe. A alma, uma vez unida ao óvulo, e acionada pela sapientíssima Providência Divina, começa a tecer um corpo em volta de si, como diz o Salmo 139:13, 14: “Pois possuíste o meu interior; entreteceste-me no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, porque de um modo terrível e tão maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem.” Esse processo continua até o fim da vida. Cada um é livre para formar sua individualidade por meio de atos de sua própria deliberação, é livre para acompanhar ou não a cor dos fios do urdume de sua hereditariedade. Ela pode seguir as tendências mentais ou espirituais do pai e da mãe ou rejeitá-las, ou fomentá-las, aprofundando ou rejeitando essas tendências. Mas, qualquer que seja a vida da pessoa, ela nunca responderá pelas inclinações hereditárias, mas, sim, pelas próprias ações e afeições, pelos seus feitos e obras, sejam ou não em decorrência da hereditariedade. E se, em algum momento da vida, ela vê a luz da verdade da fé, reconhece Deus como seu Pai e Criador, e compreende que precisa rejeitar os males da vida corporal e começar a praticar os bens da vida espiritual, então começa nela um novo nascimento. E esse nascer de novo é como se fosse a inserção de novos fios, agora fios nobres, na trama de seu tecido, ou até a substituição de alguns. O urdume ou o hereditário não pode ser mudado, mas a trama ou as ações e motivos conscientes podem ser transformados e regenerados. Porque o próprio Deus instila na pessoa a semente da verdade e essa verdade, sendo obedecida e praticada, começa a formar na pessoa uma consciência, a qual será, um dia, o corpo de seu novo ser, sua nova vontade, o homem espiritual ou anjo do céu. O processo da regeneração espiritual será semelhante ao processo anterior de sua formação natural, no útero, e, no fim desse processo, que dura toda a vida terrena, o homem nasce de novo para a vida eterna. AC 719. “Quando o homem é regenerado, há males que devem ser dissipados, isto é, que devem ser enfraquecidos e temperados pelos bens. Porque nenhum mal ativo e hereditário pode jamais ser tão dissipado ao ponto de ser abolido, mas permanece ínsito. Pode, porém, ser enfraquecido e temperado pelos bens provenientes do Senhor para que não prejudique nem apareça, o que é um arcano ainda ignorado. Os males ativos é que são enfraquecidos e temperados, mas não tanto os males hereditários, o que é também uma coisa ignorada.” Nesse processo da regeneração, a pessoa aprende que algumas práticas suas são egoísticas, impuras e lesivas a si mesma, ao próximo e, portanto a Deus, e, por conseguinte, é um pecado que precisa ser deixado. A luta para abandonar o pecado ou a prática do mal é o que chamamos aqui de penitência. E quando a pessoa se esforça e vence aquele mal, o Senhor remove aquela tendência do centro para a periferia da vontade do indivíduo. E cada mal que é assim afastado é como se fosse um fio novo que o Senhor entretece no tecido humano, formando uma nova trama. E isso paulatinamente, até que, no final do processo, grande parte dos fios foram substituídos e a trama formará uma estampa nova, mais bela, ainda que o urdume seja o mesmo abaixo. Por isso é que Swedenborg ensina que até mesmo os anjos dos céus mais altos não se consideram santos, pois eles sabem que têm em si um proprium, uma hereditariedade má herdada de quando nasceram no mundo, um urdume hereditário. Mas o Senhor lhes concede que esse hereditário seja como que adormecido e não os perturbe mais, nem aniquile a alegria da vida celeste. Quando analisamos a questão da hereditariedade, sempre nos ocorre também a questão do livre arbítrio. Porque, afinal de contas, se somos criados no momento da concepção, não temos a opção de escolher nossa hereditariedade, quem serão nossos pais, nem em que tempo e em que lugar nascemos, nem, aliás, coisa alguma. E isso levanta uma dúvida relevante quanto ao livre arbítrio. Daí algumas correntes de pensamento ou de crença pressupõem que a criação da alma ou espírito se dá antes da concepção, supondo que a alma ou espírito já exista antes da fecundação e que, assim, ela delibera e escolhe como há de nascer. Mas essa suposição teve origem na necessidade que a criatura humana sentiu de buscar respostas para tantas aparentes diferenças individuais ou injustiças, a razão de haver tantas e as mais diversas condições de vida, quando uns nascem na nobreza e na riqueza, outras nascem na miséria; uns na perfeita forma física, outros deformados. Como não se pôde ver a justiça Divina nessa disparidade, por isso as pessoas imaginaram que as almas mesmas escolheriam onde e por que motivo nasceriam em tais ou tais condições. No entanto, existe outra maneira de se ver essa questão, e esta me parece ser lógica e sensata, pois explica a razão de a hereditariedade ser tão variada e, ao mesmo tempo, explica onde está nisso a justiça Divina, sem a necessidade de se pressupor uma vida anterior da alma, uma consciência e vida pré uterina, se é que podemos usar esse termo. Essa outra maneira de se abordar esse assunto vem do entendimento das doutrinas da obra de Swedenborg e está em perfeita conformidade com as Sagradas Escrituras, ao ensinar quando, como e por que somos criados da forma que fomos, e como isso contempla a justiça Divina. Mas este é o ponto que pretendemos abordar na próxima oportunidade. |
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