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A Memória – O Livro da Vida Quarta videoconferência de uma série sobre temas diversos das Doutrinas Celestes
“E vi um grande trono branco, e o que estava assentado sobre ele, de cujo rosto fugiu a terra e o céu, e para eles não se achou lugar. E vi os mortos, grandes, e pequenos, que estavam diante de Deus; e abriram-se os livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida, e os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo suas obras. Apocalipse 20:11, 12 Dessa passagem do Apocalipse se derivou na Igreja a ideia de que existe realmente no céu um grande livro em que estão registradas as ações de todas as criaturas humanas, e por esse livro cada um será julgado. E alguns, ajuntando o que o Senhor disse aos discípulos em Lucas 10:20, “o vosso nome está arrolado nos céus”, entendem que, não as ações, mas os nomes de cada um estão literalmente escritos nesse livro da vida. Uma ideia semelhante se encontra na teosofia e em algumas religiões orientais de que existe no plano espiritual uma espécie de compêndio coletivo chamado de registro akáshico, contendo os feitos de todos os seres humanos em todos os tempos. O nosso grupo focaliza as obras teológicas de Swedenborg, e por elas ficamos sabendo que esses livros e o livro da vida citados no Apocalipse não são, realmente, livros físicos, mas a memória ou memórias do ser humano. Para alcançarmos uma compreensão mais clara sobre esse ponto, vamos recordar o que já vimos aqui sobre a simbologia existente no Gênesis, sobre a criação. Vimos que, no relato da criação, cada elemento citado no universo físico, no macrocosmo, significa um elemento correspondente no microcosmo, na mente humana. Os dias da criação representam as etapas da formação espiritual do homem. A criação do céu e da terra significa a criação do homem interno e externo. A luz que brilha no primeiro dia é a conscientização da fé. As águas acima e abaixo da expansão são os conhecimentos e as cognições. E as águas que se ajuntam num só lugar, no terceiro dia, como os mares, é a memória, enquanto a porção seca, a terra, é a mente natural. É interessante notar que os mares, no Gênesis, têm a mesma significação que os livros abertos no Apocalipse. Um best seller mundial tem por título “Nenhum homem é uma ilha”, propondo que cada pessoa está conectada a várias outras. Mas os Escritos de Swedenborg vão além, ensinando que essa conexão não se limita ao plano natural, mas se expande também à dimensão espiritual, pois não existe nada que não dependa de algo ou alguém anterior a si. Enquanto vivemos no mundo físico, não percebemos as nossas conexões com o mundo espiritual, mas elas são vitais, porque é através delas que recebemos o influxo de vida que emana de Deus. A vida procede do Criador como o Divino Amor e a Divina Sabedoria, e essa emanação de vida Divina preenche todo o universo, o natural e o espiritual, assim como o a luz e calor do sol natural. A mente humana foi criada como dois receptáculos dessa emanação Divina: a vontade para receber o Amor e o entendimento para receber a Sabedoria. A vontade é recebida como a capacidade afetiva, ou a faculdade de querer e amar; e o entendimento é recebido como a capacidade cognitiva, ou a racionalidade, que é a faculdade de compreender a verdade. Esses dois influxos Divinos, recebidos nas duas áreas da mente, é o que se chama vida. Mas esse influxo desde o Divino, como o Sol espiritual, não se propaga até nós no vácuo, pois não existe vácuo no universo espiritual. O influxo se propaga por camadas ou atmosferas ou dimensões de existências, por intermédio de seres humanos angélicos e espirituais. São homens, mulheres e crianças, que, tendo deixado a vida natural, agora habitam as dimensões espirituais, e eles servem como meios, ou como elos de uma corrente, mas da qual recebemos o influxo Divino de vida ou a sensação de que estamos vivos. Sem essa conexão, pelos meios com o Primeiro, ninguém pode existir nem subsistir. “Eu sou a videira, vós, os ramos... sem mim, nada podeis fazer.” (Jo. 15:5) Todavia, a fim de não violar nossa liberdade e evitar perturbação, tanto para nós quanto para os anjos e espíritos, o Senhor mantém toda essa conexão fora da percepção humana, e assim cada participante desse ele tem a sensação de vida própria e está livre para responder por suas escolhas independentemente dos outros. A forma como o Senhor atua em nossa mente natural, diretamente ou indiretamente, por meio de espíritos e anjos, pode ser compreendida mais facilmente pelos fenômenos da natureza, mas aqui vamos destacar o ciclo das águas. Quando o Sol aquece a atmosfera, a terra e os oceanos, faz surgir os ventos e as ondas nos mares; o calor causa a evaporação das águas, que formam nuvens; delas desce a chuva, que na terra forma lagos, e também alimenta as nascentes do subsolo, que forma os rios. A água nos mares são os conhecimentos, as ideias e as sensações que desde a mais tenra infância começamos a ajuntar. Entram pelos cinco sentidos e vão se acumulando na nossa memória. Desse mar da memória essas aquisições retornam como ondas do pensamento, num fluxo contínuo de lembranças. Mas, tal como a água do mar, os pensamentos são apenas fragmentos de lembranças da experiência, que são estéreis em si mesmos, se não forem determinados e aplicados a algum uso. Lemos em Gênesis que, no princípio, o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas, e assim Ele atua em nossa memória, insinuando vida nas verdades que ali se acham em meio aos conhecimentos. Se cultivarmos afeição pela verdade, o Amor Divino, influindo em nossa afeição, fará sublimar essas verdades, como evaporação da água, e as depositará numa região mais elevada de nossa memória, como nuvens no céu. Não são mais fatos da memória, mas cognições ou conclusões que formamos a respeito do que é verdadeiro. É o conjunto de verdades sublimadas pelo desejo de aplicá-las à vida que vai constituir a consciência. Da consciência, como nuvens, chove em nossa mente natural os ditames Divinos a respeito do justo e verdadeiro que devemos fazer. São os ditames da verdade, na consciência, que, quando são obedecidos, que vão fertilizar as noções e os motivos de nossa mente natural, que então começa a produzir, no terceiro dia da criação, os vegetais, da terra, as primeiras obras de caridade que começamos a praticar. Mas, enquanto não temos a chuva, Deus forma os rios. Os rios representam a instrução da verdade. Enquanto estamos aprendendo as verdades, elas ainda não têm tanto alcance como as chuvas, mas servem para banhar as margens de nosso pensamento consciente. Depois, essas verdades vão desaguar na memória, como os rios alimentam, renovam e vivificam os mares. Porque a memória em si, se não receber a instrução das verdades espirituais, acaba sem vida, como o que acontece com o Mar Morto, na Palestina, porque o rio Jordão não leva para lá água suficiente que o vivifique. Quando, porém, a instrução da Palavra entra em na memória, as verdades vivificam tudo o que ali está. Aliás, no livro de Ezequiel (47:8, 9) existe uma profecia que descreve exatamente isso: “Então, me disse: Estas águas saem para a região oriental, e descem à campina, e entram no mar Morto, cujas águas ficarão saudáveis. Toda criatura vivente que vive em enxames viverá por onde quer que passe este rio, e haverá muitíssimo peixe, e, aonde chegarem estas águas, tornarão saudáveis as do mar, e tudo viverá por onde quer que passe este rio.” O livro de Gênesis fala de mares, no plural. A razão disso é que, segundo aprendemos nos Escritos de Swedenborg, nós não temos uma só memória, mas três. Temos a memória exterior, a interior e terceira, puramente espiritual, acessível só a Deus. Essa última, a memória espiritual, é mencionada em pouquíssimas passagens, talvez porque os arcanos sobre ela estejam muito acima de nossa compreensão. Por isso, quando fala da memória, na maioria das vezes Swedenborg menciona somente as duas primeiras. A memória exterior ou natural é a que está mais próxima ao nosso pensamento. Ela é chamada de memória de particulares ou memória de palavras. Essa memória se comunica com os sentidos, dos quais ela recebe todas as ideias, impressões, sensações e percepções trazidas, especialmente o que entra pela audição e pela visão, mas, também, as impressões olfativas, gustativas e táteis. É nessa memória exterior que ficam guardados os registros de números, endereços, medidas, datas, nomes e sobrenomes de pessoas... Enfim, todas as lembranças que têm a ver com a vida material, isto é, tudo o que é relacionado ao tempo e ao espaço. Sabemos que o tempo e o espaço são propriedades inseridas no mundo natural na criação, e não existem no mundo espiritual. Essas duas propriedades, tempo e espaço, limitam e restringem o natural a tal ponto que nada pode ser percebido por nossa mente natural que seja transcendente ao tempo e ao espaço. Toda e qualquer informação que entra ali e sai do pensamento e da memória, mesmo a ideia mais abstrata que pudermos imaginar, só se apresenta numa representação temporal e espacial. Outra limitação da memória exterior vem do fato de, por ser adjacente à mente natural, ela habita nas substâncias orgânicas do cérebro, não fisicamente, não por contiguidade ou continuidade, mas por correspondência, como já falamos aqui sobre os graus discretos. A memória exterior habita nos orgânicos do cérebro assim como a força habita nos músculos, mas de forma correspondencial. As substâncias orgânicas da mente estão para a memória assim como vasos receptáculos estão para seu conteúdo. Portanto, essa memória depende diretamente do estado de sanidade ou deficiência das partes orgânicas do cérebro, como na presença ou na falta de certos minerais no organismo. Esta é a causa natural do esquecimento, quando os receptáculos ficam comprometidos. Isto com relação à memória exterior. Mas, quando voltamos a atenção para a memória interior, vemos que as coisas se passam de maneira bem diferente. Os registros que entram na primeira memória, a externa, passam depois para a memória interior, mas então são como que filtrados. Porque a memória interior, também chamada de memória de gerais, não registra as particularidades como palavras, nomes, números e datas, mas somente as ideias que envolvem aqueles dados, de uma maneira espiritual-natural. Ela registra as afeições, o ambiente e as circunstâncias envolvidas nas palavras quando elas foram pela primeira vez aprendida. Em vez de palavras, registra as ideias. Em vez de objetos, registra os usos para que eles servem. Em vez de nomes de pessoas, registram o conjunto de características que tivermos formulado a respeito daquela pessoa. Na memória exterior guardamos as lembranças de uma pessoa quanto ao seu nome, sobrenome, telefone, tom de voz, as coisas que nos contou nas conversas e assim por diante. E, muitas vezes, com o passar do tempo, vamos nos esquecendo da maioria desses dados, porque, paradoxalmente, a memória exterior também foi feita para esquecer, como alguém disse certa vez. Já a memória interior registra a afeição que sentíamos ou sentimos por aquela pessoa, as sensações boas ou ruins que ela nos passou, o afeto ou o ressentimento, a simpatia ou antipatia, mesmo que tenhamos esquecido a razão disso, e mesmo que tenhamos esquecido o seu nome. Essas lembranças da memória interior são os gerais e são como uma esfera ou aura que, em nossa mente, envolve a ideia que fazemos daquela pessoa. Os registros gerais da memória interior nunca se apagam, mas permanecem para sempre. Quando morremos e entramos no mundo espiritual, a memória de palavras ou de particulares é adormecida ou fechada, e a memória interior é plenamente aberta. As limitações do tempo e do espaço deixam de existir. É por isso que os nossos entes queridos que entram na vida eterna não sentem saudade, pois a saudade decorre da ausência de alguém no tempo e no espaço. Ora, removidos o tempo e o espaço, deixa de haver ausência. E, de fato, para as pessoas que se amam verdadeiramente, especialmente os casais, a morte está na lembrança daquele que ficou aqui, mas não existe para o que entrou no mundo espiritual, pois o espírito continua presente junto ao que ficou. Alguns espíritos ficam indignados porque, logo após a morte, descobrem que não têm mais a memória de coisas materiais. Fica indignado especialmente a pessoa que aqui tinha cultivado a memória como se ela fosse a inteligência. Sem esses registros de particulares, portanto, ela se sente estúpida. Mas ela é ensinada que a memória do corpo não foi apagada, mas fica somente adormecida. E, até, em certas circunstâncias, se isso for necessário, o Senhor concede que se tenha acesso a essa memória novamente. Mas, de modo geral e como regra, a memória física, de tempo e espaço é bloqueada, até para nosso bem, porque essa memória está presa às questões da urgência material do presente, passado e futuro, e, lemos nos Escritos, nada tira mais a felicidade da pessoa do que a lembrança do passado ou a ansiedade quanto ao futuro. Esta é uma das razões da felicidade angélica, que vivem num eterno tempo presente. A memória interior é, por conseguinte, muito mais rica e eficaz, porque não tem as limitações naturais. Tudo aquilo que a pessoa em vida fez, falou, ouviu, pensou e quis está conservado eternamente, inclusive as coisas que a pessoa ouviu e sentiu sem ter prestado atenção naquele momento. E ficamos imaginando a grandeza da sabedoria Divina, para conservar cada mínimo detalhe das memórias de todos os seres humanos do universo, de forma intacta, sem faltar a ninguém o menor registro. É essa memória interior que será a fonte de pensamento do homem na eternidade. Mas não falta, ao espírito, nenhuma base material, porque cada espírito está associado por homogeneidade a alguma pessoa no mundo natural, e a memória externa ou natural da pessoa continuará servindo como base para o espírito. A memória da pessoa na terra servirá de base para a memória exterior do anjo e espírito, que nele foi adormecida. Por isso é que um espírito ou anjo associado à pessoa não pode tirar absolutamente nada de sua própria memória, mas deve tirar tudo da memória da pessoa com quem está associado. Se, por alguma desordem, um espírito fala com o homem a partir da sua própria memória, isso gera perturbação para o homem, pois é como se outra identidade falasse, como em alguns casos de alucinação ou manifestações de esquizofrenia. Por esse motivo, o Senhor mantém como que uma barreira entre as duas dimensões e, de um modo Divinamente engenhoso, faz com que haja um elo ordeiro entre o natural e o espiritual. Leiamos os Arcanos Celestes (2474) sobre a memória interior. “Todas as coisas que um homem ouve e vê, e pelas quais ele é afetado, são, sem o conhecimento do homem, insinuadas quanto a ideias e fins em sua memória interior; e elas permanecem nele, de modo que nada perece; embora as mesmas coisas sejam apagadas na memória exterior. Portanto, a memória interior é tal que nela estão inscritas todas as coisas singulares, ou melhor, as coisas mais singulares que o homem já pensou, falou e fez; de fato, mesmo aquelas que lhe pareceram apenas uma sombra, com os menores detalhes, desde sua primeira infância até o fim da velhice. A lembrança de todas essas coisas o homem traz consigo quando entra na outra vida, e é sucessivamente trazido à plena lembrança delas. Este é o seu Livro da Vida, que é aberto na outra vida, e de acordo com o qual ele é julgado. Ele então mal pode acreditar nisso, mas ainda assim é a mais verdadeira. Todos os fins, que para ele estiveram na obscuridade, e todas as coisas que ele pensou; junto com tudo o que destes ele falou e fez, até o mais ínfimo ponto, estão naquele Livro, isto é, na memória interior, e sempre que o Senhor concede, são manifestados perante os anjos como em dia claro. Isso me foi mostrado várias vezes e foi atestado por tanta experiência que não resta a menor dúvida.” E continua: “Por "livros" não são entendidos livros, mas os interiores da mente daqueles que são julgados. Pelos "livros" (são entendidos) os interiores da mente dos que são maus e são julgados para a morte, e pelo "livro da vida" (são entendidos) os interiores da mente dos que são bons e são julgados para a vida.” (AR 867) É dito que os livros se abrem e somos julgados pelas coisas escritas não porque Deus nos julgue, mas porque nós mesmos, ao entrarmos na vida eterna, seremos conhecidos pelo nosso caráter real, exatamente como tivermos sido aqui nos interiores. No primeiro estado da vida após a morte a pessoa continua vivendo como se continuasse aqui. Mas, gradativamente, ela entra no segundo, no qual os exteriores são fechados e os interiores são manifestos tais como eram aqui, isto é, os livros de abrem e as nossas obras se tornam evidentes. Não necessariamente as obras que tivermos feito no corpo, mas certamente aquelas que fizemos em espírito e na intenção. Enquanto vivemos aqui, as coisas boas ou más que cultivamos vão sendo registradas na memória interior, como se nós mesmos estivéssemos escrevendo ali a nossa vida. Nada se perde, tudo se registra. O que é escrito, é escrito com tinta indelével. Não muda mais. Mas, enquanto estivermos aqui, temos a oportunidade de, se considerarmos que temos um pensamento errado, podemos sempre começar a escrever uma nova linha, ou abrir um novo parágrafo nesse livro. Ou, se chegarmos a conclusão de que temos feito algum mal ou tido um comportamento nocivo, um mal contra Deus e nosso próximo, podemos sempre virar a página e começar um novo enredo no livro de nossa vida. Temos consciência pela e clara de que somos falhos, fracos e pecadores, sem exceção, sem que haja um que seja justo na face da terra. Mas temos a esperança de que o nosso Criador há de ter piedade de nós e nos ajudará a estar dispostos a, sempre que necessário, virar a página e começar um novo enredo de nossa existência. E as páginas passadas, embora tenham sido escritas com tinta que não se pode apagar, pelo menos não precisam mais ser lidas nem folheadas eternamente. Essa esperança está de acordo com o que Ele mesmo falou ao profeta Ezequiel: “Quando eu ... disser ao perverso: Certamente, morrerás. Se ele se converter do seu pecado, e fizer juízo e justiça, e restituir esse perverso o penhor, e pagar o furtado, e andar nos estatutos da vida, e não praticar iniquidade, certamente viverá. Não morrerá. De todos os seus pecados que cometeu não se fará memória contra ele. Juízo e justiça fez; certamente viverá.” (34:14-16)
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