"Prossigamos em conhecer
ao Senhor"
Em vários livros da Bíblia encontramos referência
a um progresso que deve existir no conhecimento acerca de Deus e das coisas
Divinas. Citaremos alguns:
"Então conheçamos, e prossigamos em conhecer ao SENHOR; a sua saída,
como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, como chuva serôdia
que rega a terra". (Oséias 6:3)
"Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que
se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de
Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite, e não de sólido
mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está
experimentado na palavra da justiça, porque é menino. Mas o mantimento sólido
é para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos
exercitados para discernir tanto o bem como o mal. Por isso, deixando os
rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até à perfeição, não lançando
de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus".
(Heb. 5:12-14, 6:1).
É certo que, assim como todas as coisas do universo criado progridem e
acontecem numa sucessão lógica da ordem, a mente humana também tem seu
processo de crescimento. A nossa percepção a respeito de todas as coisas é,
no começo, obscura, inadequada e imprecisa, mas aumenta e se desenvolve. O
conhecimento, seja da própria experiência, seja do ensino, só é adquirido
por etapas ou graus, cada vez mais abrangentes e mais profundos, e isso na
proporção do interesse e da percepção do indivíduo.
Os pensamentos acerca de Deus, que são os pensamentos da fé, estão
sujeitos a esse mesmo processo, razão pela qual Jesus Se referiu à fé como
a um grão de mostarda, o qual, semeado, cresce e se torna árvore.
Uma outra razão por que existe o progresso da consciência das coisas
Divinas tem a ver com o livre-arbítrio. Para realmente entender, é necessário
que a pessoa veja, examine e tire conclusões por si mesma. As matérias da fé
vêm pela audição dos ensinamentos da revelação Divina, mas para que a
pessoa faça deles sua fé, é necessário que torne as idéias apreendidas
como suas próprias. Se não forem refletidos e transformados em princípios
racionais por convicção própria, as matérias apreendidas permanecerão
apenas como fatos decorados da memória.
Paulo tinha percepção desse crescimento progressos nas coisas
espirituais, razão por que assim Se dirigiu aos Coríntios:
"E eu, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mas como a
carnais, como a meninos em Cristo. Com leite vos criei, e não com carne,
porque ainda não podíeis, nem tampouco ainda agora podeis." (...)
"Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier
o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era
menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas,
logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora
vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em
parte, mas então conhecerei como também sou conhecido (I Cor. 3:1,2; 13:11).
E Pedro também o disse:
"Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite
racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo" (I Pedro
2:2).
Isto ficou claro também pelas palavras do próprio Senhor Jesus aos Seus
discípulos, pois disse que eles também estavam sujeitos a esse processo e
que iriam progredir no conhecimento da verdade:
"Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar
agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a
verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e
vos anunciará o que há de vir" (...) "Disse-vos isto por parábolas;
chega, porém, a hora em que não vos falarei mais por parábolas, mas
abertamente vos falarei acerca do Pai". (João 16:12,13, 25).
Finalmente, podemos ver uma ilustração desse progresso da fé no relato
da cura do cego de Betsaida, que primeiro enxergou homens como árvores e,
depois, viu distintamente ao longe.
"E chegou a Betsaida; e trouxeram-lhe um cego, e rogaram-lhe que o
tocasse. E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e,
cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma
coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os vejo como árvores
que andam. Depois disto, tornou a pôr-lhe as mãos sobre os olhos, e fez
olhar para cima: e ele ficou restaurado, e viu cada homem claramente"
(Marcos 8:22-25).
Ora, considerando que há uma necessária progressão no conhecimento
acerca das coisas Divinas, é de se esperar que, no começo, a idéia que o
homem tem de Deus não deixe de ser um tanto vaga, devendo porém, até se
chegar a "toda a verdade", a se conhecer "abertamente acerca do
Pai".
Quando entendemos que existe essa progressão, podemos também compreender
que a idéia de uma Trindade de Pessoas faz parte dessa progressão, da
gradual abertura de nossa visão de Deus, mas ainda não é a idéia
definitiva e mais adequada. E, como existe a progressão, não podemos nos
deter nessa idéia, sob pena de ficarmos estagnados nas coisas espirituais,
presos aos "rudimentos" de que falou o autor da carta aos Hebreus.
A fé em Deus, a compreensão de Quem Ele é, de Sua essência, vem da
Palavra, mas cada um deve examiná-la a fim de tirar dali sua fé própria e
viva em Deus. É como a água que está na fonte, mas cada um deve ir até e
beber por si mesmo, a fim de saciar a sede. Ou como a semente, que precisa
cair em solo fértil para germinar, crescer e dar frutos. Tudo o que a pessoa
concebe a respeito de Deus só se torna da fé se a pessoa mesma quiser recebê-lo
com afeição de aprender a verdade pela verdade. Quando ela está nessa
pesquisa, Deus pode esclarecê-la, influir em seu entendimento, e fazê-la com
que perceba nitidamente o que é verdadeiro.
É o Senhor quem, de fato, nos abre os olhos da fé, para que enxerguemos a
Verdade (Mateus 16:17), mas Ele só pode fazer isso na proporção que a
pessoa busca e no tempo adequado, em que a mente está preparada para receber.
A fim de respeitar esse progresso, o Senhor só Se deu a conhecer aos
poucos. Se tivesse anunciado Sua condição Divina desde o começo, Ele
estaria passando por cima das etapas normais de desenvolvimento da fé na
mente de Seus seguidores. Estaria lhes impondo uma crença para a qual eles não
tinham ainda recebido sustentação nas verdades ouvidas e vistas. Ele
estaria, assim, violando o processo gradual e positivo de aprendizagem e absorção
da fé pelo próprio indivíduo.
As pessoas acreditaram em Deus porque tiveram razões próprias para crê-lo.
Podemos ver alguma coisa disso nessas passagens:
"A mulher respondeu, e disse: Não tenho marido. Disse-lhe Jesus:
Disseste bem: Não tenho marido; porque tiveste cinco maridos, e o que agora
tens não é teu marido; isto disseste com verdade. Disse-lhe a mulher:
Senhor, vejo que és profeta. Deixou, pois, a mulher o seu cântaro, e foi à
cidade, e disse àqueles homens: Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto
tenho feito. Porventura não é este o Cristo? (João 4:17-19, 28, 29).
A fé da samaritana em que Jesus era Profeta e Cristo era porque Jesus lhe
revelara assuntos de sua vida.
E em outra passagem:
"Vendo, pois, aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam:
Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo" (João
6:14).
E Nicodemos chegou à mesma conclusão:
"Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode
fazer estes sinais que Tu fazes, se Deus não for com ele" (João 3:2).
João, quando estava preso, teve dúvidas quanto ao caráter messiânico de
Jesus. Por isso, enviou-Lhe alguns discípulos com a pergunta:
"És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro? E Jesus,
respondendo, disse-lhes: Ide, e anunciai a João as coisas que ouvis e vedes:
Os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem;
os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho. (Mateus
11:3-5).
Jesus poderia ter respondido:
"Eu sou o Cristo", mas preferiu
mostrar os sinais para que João retornasse por si mesmo à fé que tivera
antes. João podia, assim, crer no Senhor por causa das obras Divinas que Ele
fazia (João 14:11).
Mas havia, ainda, outra razão por que Jesus não declarou logo, desde o início,
Sua condição de Filho de Deus e o próprio Deus. Era porque, quanto ao
Humano, Ele estava em lutas e tentações a fim de fazer aquele Humano Divino,
glorificando-O para Sua morada. Sua Alma era a Vida, desde a eternidade, mas o
Humano estava se tornando a Vida gradativamente, fazendo-Se Deus à medida que
era unido à Alma e divinizado. Por isso, de certa forma, Seu Humano ainda não
era plenamente Deus (plenamente glorificado) até à Ressurreição.
Convinha que Ele padecesse as tentações, pois era por meio delas que Se
faria a união entre o Filho e o Pai, o Humano e o Divino. Por isso Ele disse:
"Convém que eu vá [que o Humano seja glorificado, unido ao
Pai]...".