C. Nobre
"Na verdade, na verdade vos digo, que aquele que crê em Mim tem
a vida eterna"...Jesus disse-lhes: Tende a fé de Deus. Porque na verdade
vos digo, que aquele que disser a este monte: Levanta-te, e lança-te no mar; e
não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, tudo quanto
disser se lhe fará". - João 6:47; Marcos 11:22,23.
Sem fé não há
salvação. Este é o ensinamento que recebemos dos Evangelhos, como no nosso
texto, e em outros lugares, onde é dito que todo aquele que crê no Filho de Deus tem a Vida eterna (João 3:l6). Esta
era uma verdade pregada na Igreja Apostólica, a Igreja Cristã dos primeiros
tempos (VRC 338), segundo o que temos nas cartas, como nos Atos dos Apóstolos,
por exemplo, cap. l6:30,3l, onde se lê: "Senhores, que é necessário que
eu faça para me salvar? E (os apóstolos) disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo
e serás salvo, tu e a tua casa" . E esta é a verdade que os Escritos
também nos ensinam, conforme vemos na obra VRC, no capítulo sobre a Fé, nº
337: "A fé salvífica é a fé no Senhor Deus Salvador Jesus Cristo".
Cumpre-nos, porém, conhecer mais a respeito da verdadeira
fé, a fé salvífica. Jesus disse aos Seus discípulos: "Tende a fé de
Deus". Qual é essa fé de Deus, por meio da qual se poderia ordenar ao
monte que se erguesse e se lançasse ao mar, e isso se faria? Qual é essa fé
onde há tanto poder? Sim, precisamos ter uma noção clara a respeito da fé, e
sabermos que há variedades de fé e diversidade de seus estados, como podemos
nos informar estudando as Doutrinas da Nova Igreja sobre a fé.
Há duas coisas que formam a Igreja no homem: caridade e fé.
Para o homem, estas duas coisas parecem diferentes e divisíveis, e por esta
razão, desde a antigüidade se tem disputado na Igreja a respeito da fé e da
caridade, quanto a qual delas é a principal, s a caridade ou a fé. A Igreja
Cristã, que seguiu a Igreja Apostólica, separou esses dois essenciais da
Igreja e fez com que a fé por si só salva; e formaram um tal dogma
interpretando erroneamente esses tantos versículos bíblicos onde é dito que a
fé salva, não sabendo, contudo, que a fé verdadeira só existe conjunta à
caridade. O fato é que a Igreja Cristã, desde o quarto século, formulou uma
outra opinião a respeito da fé, opinião diferente do que ensinavam os
Evangelhos e as cartas apostólicas. Daí, todos os ensinamentos que encontram
na Bíblia falando sobre a fé, eles os aplicam à fé que elaboraram, ou
àquilo que entendem ser a fé. Por isso a fé salvífica foi aniquilada, e não
há mais essa fé hoje em dia, exceto com uns poucos que sabem que a fé que
salva é a fé em Deus Salvador Jesus Cristo (VRC 338).
Muito errado está quem faz da fé a coisa essencial da
Igreja, separando-a da caridade. Mas erra também quem supõe ser a caridade a
única coisa que importa na Igreja, a única coisa que Deus requer para a
salvação do homem. Em nosso meio, estamos habituados a ouvir sobre a fé só
como causa da devastação da Igreja, e em nossa mente logo rejeitamos a idéia
de uma fé com poder para salvar. E com conseqüência normal dessa posição, o
resultado é que pendemos para o lado oposto, ou seja, de frisarmos mais a
importância da caridade do que da fé, ou, em outras palavras, de achar que
havendo a caridade, há tudo, sendo a fé um mero complemento da caridade. Prova
disso é que absorvemos muito mais ensinamentos sobre o amor e a caridmais ensinamentos sobre o amor e a caridade do que
sobre a sabedoria e a fé. Costumamos dizer mesmo que o Senhor olha os
corações, e por isso Ele aceita a bondade de todas as pessoas independente da
fé. Às vezes somos mesmos atraídos pela "bondade" ou pelo bom
coração que vemos em certas pessoas amigas e conhecidas, e as aceitamos sem
nos preocuparmos com o seu modo de crer. Em nossa bondade natural, evitamos
fazer um julgamento da crença alheia.
Sem dúvida nenhuma, há nessa prática outro erro. Pois
quando realçamos o valor da bondade humana sem atenção à sua fé, estamos,
na verdade, separando mais uma vez a caridade da fé, e assim podemos destruir
uma e outra. A bondade natural em nós nos leva a não discriminar a crença, e
a fazer vista grossa para aquilo que realmente precisa ser visto e discernido.
É certo que em algumas pessoas notamos atitudes benignas, angelicais, e seus
atos parecem muito semelhantes aos benefícios da caridade. Mas devemos saber
distinguir entre essa benevolência externa e natural, por um lado, e, a
verdadeira caridade por outro lado. Com efeito, os Escritos nos ensinam que há
aqueles que são misericordiosos por natureza, e, no entanto, essa qualidade
natural deles não é em si a caridade, nem quer dizer que tenham sido
regenerados. Pois a regeneração é a formação de um novo caráter no
indivíduo, o que se faz a partir das verdades da Palavra e por meio dessas
verdades, por uma reforma do entendimento e reconstituição da vontade.
Qualquer coisa fora disso é de caráter meramente natural e deve ser
regenerada. A bondade natural deve ceder lugar ao bem espiritual; as
benevolências externas devem ceder lugar à caridade espiritual, cuja coisa
principal é afastar os males como pecados contra Deus. Lembremo-nos de que é
impossível que exista qualquer bem verdadeiro num indivíduo se ele antes não
afastou os males com pecados, segundo a instrução da Palavra. O Senhor diz:
"Quem quiser vir após Mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e
siga-me" (Mr. 8:34), e "Aquele que não nascer de novo, não pode ver
o reino de Deus" (Jo. 3:3). Esse novo nascimento só se opera pela fé. Sem
a fé, não há nova vida; em VRC lemos: "A fé sem a caridade não é a
fé, e a caridade sem a fé é a caridade"; e (nºs384): "Não há fé
alguma no cristianismo naqueles que rejeitam o Senhor e a Palavra, ainda que
vivam moralmente e racionalmente, e ainda que falem, ensinem e escrevam sobre a
fé".
Assim vemos que a fé realmente importa; de outro modo o
Senhor não teria nos dado tantas verdades na Palavra, para desenvolvimento de
nossa razão. As Doutrinas ensinam que, para ser salvo, é necessário que o
homem viva bem e creia segundo as regras. Sem essa crença, a vida que
externamente se mostra do bem, é, de fato, má, por menos que pareça. Porque
há muitos que são bons por motivos próprios, para serem mais modestos ou mais
santos que os outros; ou por cobiça de recompensa ou galardão. Esses fazem um
bem, mas sendo um bem meritório, é, realmente, o mal. Daí vemos o erro e o
perigo de nos deixarmos levar somente pelo bem natural dos outros, e de
frisarmos o valor do bem sem dar importância à verdade. As duas coisas,
caridade e fé, devem andar juntas, pois uma absolutamente não existe sem a
outra. Em VRC ainda (340) lemos: "Os meios de salvação são numerosos:
entretanto, todos e cada um se referem a viver bem e crer segundo as regras;
assim à caridade e à fé, pois a caridade é o bem viver, e a fé é crer
segundo as regras. Estes dois comuns dos meios de salvação foram não somente
prescritos ao homem na Palavra, mais ainda ordenados".
A fé é a primeira coisa na ordem, e a caridade é a
primeira no propósito. A fé é a primeira coisa que existe no homem que está
sendo regenerado, e a caridade é a primeira na importância. A fé existe
primeiro para que possa dar forma à caridade. O essencial é, portanto, a
caridade, mas ela só se torna essencial, só tem existência, através da fé.
Fé é um corpo em que reside a alma, a caridade. Ou como lemos nos AC 668:
"A fé é somente a forma do amor". A caridade ou o amor precisa da
fé par que exista, logo, uma não pode existir sem a outra, e especialmente a
fé, uma vez que temos conhecido mais a respeito da caridade, como foi dito.
Sabemos que há várias formas de caridade ou amor, mas só
uma é a caridade ou amor verdadeiros. Do mesmo modo, há várias expressões da
credulidade humana às quais se chamam fé, mas uma só é a fé real.
Na Igreja Cristã de hoje não se sabe o que é a fé.
"Quando se lhes indagam, eles podem somente responder que (a fé) é uma
espécie de pensamento; alguns, que é uma confiança; outros, que é o
conhecimento da fé; uns poucos, que é a vida segundo esses conhecimentos, e
raramente alguém (responde) que é a vida de caridade ou de amor mútuo"
(AC l076). Com efeito, existe hoje um tipo de confiança cega, uma persuasão a
respeito de determinadas coisas, que é chamada fé. Quanto maior a persuasão
ou convicção cega, eles dizem, maior a fé. Não examinam se o objeto dessa
persuasão é algo simplesmente a pessoa se imbui de certa persuasão e procura
se convencer disso o máximo possível. É, por assim dizer, uma espécie de
pensamento positivo. A isto chamam fé. E nem mesmo querem refletir sobre tais
coisas, pois, como dizem, é matéria de fé, são mistérios, que devem ser
cridos e não compreendidos. E muitíssimos são os que hoje se iludem nessa fé
cega.
Esse tipo de persuasão faz com que o homem se iluda sobre
qualquer coisa, e se firme indistintamente, tanto em veros como em falsos. Fé,
para a Igreja Cristã, é uma convicção a respeito de certa coisa, quer essa
coisa seja compreensível ou não. É, interessante, quanto mais
incompreensível, quanto mais ilógico o objeto de persuasão, quanto maior for
a escuridão de seus; entendimentos, mais dizem ter fé.
Essa fé é uma fé humana. é uma persuasão originada na
ignorância sobre as coisas espirituais. Nenhuma semelhança tem com a fé que
é ensinada na Palavra. De fato, o Senhor ali nos exortou: "Tende a fé de
Deus". Daí qualquer um entende que devemos ter a fé de Deus, isto é, a
fé que vem de Deus, e não a nossa fé. A fé de Deus é a fé genuína.
Entretanto, as traduções da Palavra neste versículo têm: "Tendo a fé
em Deus", ao invés de "Tende a fé de Deus". Talvez os
tradutores do mundo cristão, agindo em conformidade à sua idéia a respeito da
fé, acharam que não fazia sentido o original "fé de Deus", e por
isso traduziram "fé em Deus", ou seja, a fé do homem posta em Deus.
Mas se enganaram. Tanto a versão original ceus", ou seja, a fé do homem posta em Deus.
Mas se enganaram. Tanto a versão original como os Escritos trazem: "Tende
a fé de Deus", pois a verdade é justamente essa: a fé verdadeira existe
no homem só quando este a recebe de Deus. A fé verdadeira não procede do
homem, mas procede do próprio Senhor. Na Nova igreja, "é permitido entrar
com o entendimento nos mistérios da fé". Agora, a fé não será mais
imposta à crença do homem, mas deve ser objeto de reflexão do raciocínio
humano. Ele crerá porque entenderá, verá com os olhos do entendimento, os
olhos da fé. O Senhor não força o homem a crer, mas quer que o homem examine
por si mesmo as matérias da fé e creia nelas por seu entendimento. O Senhor
abre os segredos da fé para que o homem aí penetre e adquira a fé:
"Tende a fé de Deus".
"A fé salvífica é a fé no Senhor Deus Salvador Jesus
Cristo", lemos nos Escritos. Essa "é a fé em um Deus visível no
qual está o Deus invisível; e a fé em um Deus visível, que é Homem e, ao
mesmo tempo, Deus, entra no homem" (VRCD 339). É por ai que se pode ter
uma idéia correta a respeito do Ser Divino, pode-se ser afetado por essa idéia
e se ter uma percepção justa sobre Deus. E o outro ponto da fé salvífica é:
"Aquele que vive bem, e crê segundo as regras, é salvo" pelo Senhor.
Conhecendo a Deus, o homem deve ter a confiança de que Ele salva a todos que
dele se aproximam em busca de auxílio. Esta é, em suma, a verdadeira fé: crer
no Senhor e ter a confiança de que Ele salva.
No entanto, uma tal confiança só é possível naqueles que
vivem bem, que querem seguir dentro da ordem; ela não é possível nos maus.
Daí se vê que a fé verdadeira só é possível quando se vive no bem, quando
se está na caridade. A confiança de que Deus proverá o bem eterno só é
possível quando há obediência aos preceitos Divinos. É preciso porém
ressaltar que não é a confiança ou certeza de que se está salvo, como ocorre
no mundo cristão, pois assim estaríamos pondo a confiança em nós mesmos,
nosso merecimento. Mas é a confiança de que Deus salva aos que lhe são
fiéis. É portanto, diferente. Por isso, não temos confiança em nós de que
seremos salvos, mas temos a confiança em Deus, de que salvará aos que crêem e
vivem segundo a Palavra, e a nós, se assim o fizermos.
Essa fé, a fé verdadeira, por não nascer do homem, deve,
obviamente, ser adquirida. Fomos ordenados a ter "a fé de Deus". E
como poderemos adquirir essa fé? Lendo VRC 343, veremos o seguinte: "O
homem recebe a fé: dirigindo-se ao Senhor; instruindo-se nas verdades pela
Palavra e vivendo segundo essas verdades". Então a fé é formada em nós
por meio de três ações: dirigir-se ao Senhor; instruir-se na Palavra viver as
verdades. Dirigimo-nos ao Senhor porque a fé de salvação vem dEle. Fé, numa
definição mais simples, é o conjunto de verdades que se aplicam na vida. Ora,
como o Senhor é a Verdade Mesma, por isso Ele é a Fé Mesma. Assim não
podemos receber a Fé a menos que nos dirijamos à Fé Mesma, ao Senhor Deus
Salvador Jesus Cristo.
O meio de aquisição das verdades é um só: A Palavra
Integral, em seu sentido pleno, da letra e interno, que foi revelado nos
Escritos. Ali estão todas as verdades essenciais, toda a fé necessária para a
salvação. A Palavra é o Senhor Mesmo nos instruindo, mas Ele só nos instrui
se nós, como por nosso próprio esforço, formos até ela para examiná-la e
adquirir a compreensão de seus ensinamentos; é assim que adquirimos a fé:
"A fé não é outra coisa senão o complexo das verdades que brilham na
mente do homem; pois as verdades ensinam não somente que é preciso crer, mas
ainda em que é preciso crer, e o que é preciso crer".
E, finalmente, a fé só é formada quando vivemos segundo as
verdades adquiridas. Porque "as verdades não vivem realmente antes de
estarem nos fatos", na prática. Sem a prática, as verdades estão apenas
no pensamento. E o pensamento não é o homem mesmo. Quando, porém, são
praticados, as verdades passam para a vontade que estão nos atos. E como a
vontade é o homem mesmo, é a sua vida, por isso as verdades se tornam
realmente vivas, e são, finalmente as verdades da fé, a fé que salva, pois
então é o mesmo que a caridade.
É então que o homem pela primeira vez crê verdadeiramente,
pois está pela primeira vez na caridade. Antes disso ele tinha a persuasão, a
sua própria crença, seu pensamento separado dos atos que lhe são prescritos
pelas verdades. E por mais convicção que ele tivesse, não era a fé
verdadeira que ele de fato tinha. Era uma persuasão inoperante e morta,
diferente da fé de Deus, viva, poderosa, que remove montanhas, qual fé o
Senhor nos ordenou ter.
Ao adquirir a verdadeira fé, por meio da obediência às
verdades procedentes do Senhor, o homem começa a ser transformado, regenerado.
Seu entendimento e sua vontade são criados de novo pela Palavra, e a vontade
própria do homem, que é o seu amor de si e do mundo, é afastada juntamente
com as falsidades que lhe dão confirmação.
Era justamente a respeito de uma tal transformação da
vontade que o Senhor dizia, quando falou aos discípulos: "Tende a fé de
Deus. Porque na verdade vos digo, que aquele que disser monte: Levanta-te, e
lança-te no mar; e não duvidar no seu coração , mas crer que se fará o que
diz, tudo quanto disser se lhe fará". O Senhor fala por meio de
correspondências; fala verdades sobre coisas verdadeiras. Mas como o homem
jamais conseguiu com a sua própria fé fazer algum monte se deslocar e se
atirar ao mar, por isso ele diz que aí está uma hipérbole, e que o Senhor
falava apenas figuradamente. Mas, como lemos nos AC, O Senhor não falava por
hipérboles, mas por correspondências. Pois realmente, no sentido
correspondencial, a fé de Deus quando está no homem de fato remove montanhas.
"Porque um monte significa o amor de si e do mundo, e assim o amor do mal;
e o mar significa o inferno; por isso, "levantar um monte e lançá-lo no
mar pela fé de Deus, significa expulsar esses amores, que em si são
diabólicos, para o inferno, juntamente com a fé na falsidade do mal. E isto é
feito por meio da fé que vem do Senhor" (AE 8l).
E "Jesus disse-lhes: Tende a fé de Deus. Porque na
verdade vos digo, que aquele que disser a este monte: Levanta-te, e lança-te no
mar; e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, tudo
quanto disser se lhe fará". Se adquirirmos a fé que vem de Deus, tenhamos
confiança nEle, sem hesitar, com firmeza de coração, pois Ele proverá o
nosso bem.
Assim, acheguemo-nos ao Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo,
pedindo a Ele a graça de entendermos a Sua Palavra, para daí aprendermos os
Seus Santos Caminhos. E andemos neles, para que possamos receber a fé que
salva, a fé de Deus. Tenhamos confiança no Senhor, conforme as palavras que
Ele nos declarou em Isaías (54:l0): "As montanhas se removerão, e os
outeiros serão abalados, mas a Minha benignidade não se desviará de ti; e o
concerto da Minha paz não mudará, diz o Senhor, que se compadece de ti".
Amém.
Lições: Marcos XX ll:l9 - 26; João 21.- VRC 340
(lª
parte).