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Lavar os pés uns aos outros C. Nobre "O que Eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois" -Jo. 13:7. Na última noite antes da crucificação, Jesus "levantou-se da ceia, tirou os vestidos, e, tomando uma toalha, cingiu-Se. Depois deitou água numa bacia, e começou a lavar os pés aos discípulos, e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido". Que ensinamentos o Senhor queria nos dar com esse gesto? O que Ele quis dizer quando, dirigindo-Se a Pedro, disse-lhe: «O que Eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois»?Ele disse que, se ele, que é Senhor e Mestre, lava os pés aos discípulos, nós também devemos lavar os pés uns aos outros. E, de fato, este exemplo do Senhor é importante e necessário. Foi baseada na interpretação literal dessas palavras que a Igreja Cristã precedente adotou o ritual semelhante do lava-pés como parte de sua liturgia, ainda que compreendendo que esse rito é apenas simbólico, um sinal de que é necessário sermos humildes e prestativos uns para com os outros. Não há mal em se observar tal prática na igreja. É um símbolo forte que fala diretamente ao nosso espírito. Mas não podemos ficar apenas no cumprimento literal dessa ordenança, pois há muito mais nesse gesto do Senhor do que um simples exemplo de humildade ou prestabilidade. É sabido que todas as palavras e todos os atos do Senhor tinham uma correspondência, um significado espiritual para instrução também dos anjos e espíritos no mundo espiritual. Além disso, Jesus sabia muito bem que o ato da lavação era apenas externo, e que o lavar dos pés nada fazia quanto à pureza e a sanidade da alma. Por isso, não era exatamente um gesto externo, um ritual visível que Jesus queria ensinar. Muito mais do que a ação de se curvar até o chão e lavar os pés de alguém é curvar-se quanto aos íntimos, de coração, diante do Senhor e diante dos semelhantes na raça humana. Realmente, com esse ato o Senhor estava representando a regeneração, o novo nascimento espiritual do homem. Por isso foi que Ele disse: «O que eu faço, não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois». «O assunto de que se trata aqui é a purificação de males e falsidades» (AC 10243). É evidente em toda a Palavra que o ato de lavar ou as abluções e purificações da lei representam a purificação dos males do coração. Ainda na semana passada, aqui, vimos uma explicação do versículo de Isaías em que o Senhor nos ordena: «Lavai-vos, purificai-vos; tirai a maldade de vossos atos de diante dos Meus olhos; cessai de fazer o mal...»; e hoje, no Evangelho de João, vemos que o mesmo Senhor repete o mandamento, e agora nos manda também lavar os pés uns aos outros. Os "pés", na Palavra, representam o plano natural da existência. Por exemplo, a Igreja, por ser o reino do Senhor na terra, está para os céus como os pés estão para o corpo, pois os céus, o reino do Senhor, se sustenta e se nutre nos que estão e com os que estão na Igreja. Na mente da pessoa, os pés representam o plano último da vontade e do entendimento, onde o espírito se baseia e se fundamenta. Os "pés" são, portanto, as intenções da mente natural, o pensamento daí proveniente, a fala procedente desse pensamento e os gestos e ações do corpo, pois estes é que sustentam os níveis superiores da mente ou espírito e aí é onde a experiência humana se fundamenta. Lavar os pés, por conseguinte, quer dizer purificar esse nível da mente natural, quer dizer purificar as intenções, o pensamento, as palavras e os atos, e isto por causa da religião. É possível que uma pessoa depure seu comportamento, sua linguagem, e mesmo seu pensamento por outras razões, como, por exemplo, a civilidade, a cortesia e a bondade, mas essas razões são apenas externas e naturais, em nada contribuindo para a regeneração. A única atitude saneadora que realmente contribui para a salvação é aquela que a pessoa faz a partir da religião, ou seja, por causa de Deus e de uma Lei Divina. O ato de banir do pensamento toda insinuação infernal, remover da vontade as intenções malévolas, afastar da boca as palavras torpes, arrogantes e fúteis, e excluir dos atos todo comportamento prejudicial a si mesmo e ao seu semelhante, isto é o que significa "lavar os pés". Nós não podemos, por nós mesmos, fazer isso. Fazemos como por nós mesmos, mas sabendo que essa é uma operação do Espírito de Deus em nós. E o Espírito de Deus é a mesma Divina verdade atuando. A limpeza que a Divina verdade faz em nosso espírito acontece no plano intermediário da mente, na região a que chamamos consciência. Quando damos ouvidos ao que a consciência nos dita, que é sempre uma orientação voltada para correção do que está contra os padrões da verdade e da justiça; quando, então, atendemos a voz da consciência, a ação da Divina verdade é como um fluxo de água, uma corrente de água viva que banha a alma e leva para longe a impureza que a corrompe. Há, em seguida, uma maior clareza que possibilita que julguemos nitidamente entre o bem e o mal, o vero e o falso. No evento relatado no Evangelho, a ação limpadora da Divina verdade foi representada pela toalha com que Jesus se cingiu e com a qual enxugou os pés dos discípulos. Nesta relação, as verdades da letra da Palavra, isto é, os ensinamentos do Antigo e do Novo Testamentos são representados pela água que Ele deitou numa bacia. É como uma primeira etapa da purificação, quando se aprende os mandamentos literais da Bíblia e estes são cumpridos também literalmente por uma obediência simples. Essa verdade, porém, quando assimilada na vida e mais tarde sublimada em forma de consciência do que é bom e justo, passa a guiar, do alto, por uma luz clara mas de uma forma tácita, quase imperceptível. É como uma intuição geral que temos de algo é bom e correto, ainda que não nos lembremos exatamente dos textos literais das Escrituras que mostram aquele ensinamento. É uma direção interior, não tanto por palavras, para uma direção segura ao que é verdadeiro e bom. Isto é como uma segunda etapa da purificação, que podemos comparar ao ato de se enxugar com a tolha após a lavação com a água. É essencial que cada um de nós proceda com sinceridade e determinação no sentido de limpar o próprio pensamento, os próprios atos, intenções e palavras; ou antes, é essencial que permitamos que a Divina verdade guie nossa consciência, pois é nisto que consiste a penitência, sem a qual a regeneração se torna impossível. Por isso é que o Senhor disse a Pedro: «Se eu te não lavar, não tens parte comigo». Pedro, ouvindo isso, quis então ter lavadas as mãos e a cabeça, mas o Senhor lhe disse: «Aquele que está lavado não necessita lavar senão os pés...», ou seja, para aquele que está sendo regenerado basta que se preocupe em cuidar da purificação da mente natural, desde as intenções até os atos do corpo, pois, se o fizer, o Senhor cuidará da purificação dos internos. É conforme o que as Doutrinas Celestes nos dizem, a saber, que o homem interno é regenerado primeiro e depois, por este, o externo. Mas - surge a questão - se o ato de lavarem-se os pés representa a penitência interior, como entender que Jesus nos tenha mandado lavar os pés uns aos outros, já que não é possível limpar-se o mal do pensamento e da vontade outrem, nem podemos, absolutamente, efetuar neles esses atos de penitência? Por que, então, a ordem Divina de "lavar os pés uns aos outros"? Realmente, o ato de lavar os pés, representando a purificação interior da vontade e do entendimento, é obra que ninguém pode fazer pelo outro, mas cada um faz em si mesmo e diante de Deus. Não podemos nem devemos corrigir os outros, adultos e de razão sã, sem ferir sua liberdade, quando nem o Senhor faz isso, ainda que possamos instruir a quem queira ser instruído e dar exemplos a fim de exercer neles boa influência. De fato, não podemos tirar o mal e o pecado de outrem. Mas podemos, pelo menos, não lhe imputar o mal. E é nesse sentido que podemos compreender as palavras de nosso Senhor e Mestre. Se, lidando com as pessoas, partirmos sempre do princípio de que toda ofensa que nos fizeram foi deliberada ou proposital, estaremos muitas vezes imputando indevidamente o mal aos outros. É certo que, algumas vezes, a intenção do mal é manifesta e não deixa dúvida, mas na maioria das vezes não é assim. É por isso que se faz necessário dar à pessoa o benefício da dúvida, ainda mais porque as pessoas cometem erros mas também se arrependem. Temos de considerar que a pessoa pode ter sido vítima de um gesto impensado; que talvez ela foi infeliz na escolha de palavras e que o seu objetivo real não era, de fato, ofender, diminuir ou causar outro mal ao próximo. Inocentar o próximo e não lhe imputar o mal a menos que o mal seja aberto e manifesto - este é o dever do cristão, pois, muitas vezes, ao invés de agressora, a pessoa que comete um mal está sendo, na realidade, uma vítima, prisioneira dos espíritos infernais de onde reina aquele determinado mal, e são tais espíritos os verdadeiros agentes da maldade, enquanto o homem é apenas um instrumento, podendo vir a ser condenado ou inocentado daquele mal, dependendo da medida em que nele se confirmou. Quando temos esse cuidado de não ir logo imputando o mal a alguém, estamos de fato lavando os pés de nossos irmãos. Estamos tirando deles, pelo menos de diante de nossos olhos, a maldade de seus atos. Se são ou não merecedores de condenação, quem sabe? Não nos cabe fazer esse julgamento. É isto, portanto, o que o Senhor nos manda fazer quando diz: «vós deveis também lavar os pés uns aos outros». E isto não é fácil. Ao contrário, é dificílimo, pois faz parte de nossa natureza humana irregenerada apontar o dedo, abrir a ferida, realçar o defeito, descobrir o mal nos outros e depois desprezá-los e condená-los. Lutar contra essa tendência é dever nosso, é parte de nossa regeneração. Todos nós que aqui estamos viemos sempre aqui com o propósito de aprender a viver a vida verdadeiramente cristã. Aprendamos pois com o exemplo do Senhor. Ele, que é Onisciente, a Divina verdade, que tudo vê e tudo sabe, a ninguém condena e a ninguém imputa o mal, mas a todos perdoa e quer salvar, cabendo apenas ao homem aceitar o Seu perdão e a Sua salvação. «Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós também deveis lavar os pés uns aos outros». Amém. Lições: João 13:1-20; VRC 409 |
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