A Interação
da Alma e do Corpo
1. A respeito da interação da alma e do corpo, ou da operação de um no outro e de um com o outro, há três opiniões e tradições, que são hipóteses: a primeira é chamada influxo físico; a segunda, influxo espiritual; e a terceira, harmonia preestabelecida. A primeira, que se chama influxo físico, vem das aparências dos sentidos e, assim, de falácias, porque parece que os objetos vistos, os quais afetam os olhos, influem no pensamento e o produzem, do mesmo modo que a linguagem, que atua nos ouvidos, influi na mente e ali produz as ideias, assim também ocorrendo com o olfato, o paladar e o tato. Uma vez que os órgãos desses sentidos recebem em primeiro lugar as influências que chegam do mundo e a mente parece pensar e querer segundo as afeições dessas influências, por isso os antigos filósofos e escolásticos creram que o influxo desses órgãos era passado à alma, e assim formularam a hipótese do influxo físico ou natural.
[2] A segunda, que se chama influxo espiritual, por alguma ação ocasional desse influxo, vem da ordem e de suas leis, porquanto a alma é uma substância espiritual e, assim, mais pura, anterior e interior, enquanto o corpo é material e, assim, mais grosseiro, posterior e exterior; e é segundo a ordem que o mais puro influa no mais grosseiro, o anterior no posterior e o interior no exterior, por conseguinte, o espiritual no material e não vice-versa; por conseguinte, a mente cogitativa influindo na visão segundo o estado induzido nos olhos pelos objetos, estado esse que a mente também dispõe à sua vontade; assim também, a mente perceptiva influindo na audição segundo o estado induzido nos ouvidos pela linguagem.
[3] A terceira, que se chama harmonia preestabelecida, vem das aparências e falácias da razão, uma vez que a mente nessa operação age em união com o corpo e juntamente com este. Como, porém, toda operação é primeiro sucessiva e em seguida simultânea, a operação sucessiva é o influxo e a operação simultânea é a harmonia, assim como quando a mente pensa e em seguida fala, ou quando quer e em seguida age. Por isso, é uma falácia da razão estabelecer o simultâneo e excluir o sucessivo. Além dessas três opiniões sobre a interação da alma e do corpo, uma quarta não é possível, pois ou a alma opera no corpo, ou o corpo na alma ou ambos juntos, continuamente.
2. Porquanto o influxo espiritual vem da ordem e de suas leis, como se disse, por isso esse influxo, mais do que os dois restantes, foi reconhecido e recebido pelos sábios no mundo erudito. Tudo o que vem da ordem é a verdade, e a verdade mesma se manifesta pela luz nela ínsita, como também na sombra da razão, na qual estão as hipóteses. Mas, há três coisas que envolvem de sombra essa hipótese: a ignorância sobre o que é a alma, a ignorância sobre o que é o espiritual e a ignorância sobre a natureza do influxo. Por isso, essas três coisas devem ser desvendadas antes que a razão veja a verdade mesma, pois a verdade hipotética não é a verdade mesma, mas uma conjectura da verdade. É como uma pintura na parede vista sob a luz das estrelas à noite, na qual a mente induz uma forma variada segundo a fantasia. É diferente quando a luz do sol a ilumina, após a aurora, e descobre não somente suas coisas gerais, mas também suas singulares e as apresenta à vista. Assim é que, da sombra da verdade em que esta hipótese se acha, a verdade é aberta quando se conhece o que é o espiritual e a sua natureza relativamente ao natural; depois, o que é a alma humana e a sua natureza, como também a natureza do influxo nela e, por ela, na mente perceptiva e cogitativa, e desta no corpo.
[2] Todavia, ninguém pode relatar estas coisas senão aquele a quem foi concedida pelo Senhor a consociação com os anjos no mundo espiritual e, ao mesmo tempo, com os homens no mundo natural; e como isto me foi concedido, pude descrever o que são um e outro, e a sua natureza, o que foi feito na obra O Amor Conjugal, a saber, sobre os espirituais, no memorável que está nos números 326 a 329 daquela obra; sobre a alma humana, no n. 315; sobre o influxo, no n. 380 e, mais plenamente, nos números 415 a 422. Quem não sabe, ou não pode saber, que o bem do amor e o vero da fé influem de Deus no homem, e que influem em sua alma e são sentidos em sua mente, emanando do pensamento na linguagem e da vontade nas ações?
[3] Que daí exista um influxo espiritual, bem como sua origem e derivação, é o que será manifesto na seguinte ordem:
I. Há dois mundos: o mundo espiritual, onde estão os espíritos e anjos, e o mundo natural, onde estão os homens.
II. O mundo espiritual tem existido e subsistido pelo seu Sol, e o mundo natural pelo seu.
III. O Sol do mundo espiritual é puro amor proveniente de Jehovah Deus, que está no meio desse Sol.
IV. Desse Sol procedem calor e luz; o calor que dele procede é em sua essência o amor, e a luz que daí procede é em sua essência a sabedoria.
V. Tanto esse calor quanto essa luz influem no homem; o calor em sua vontade, produzindo aí o bem do amor, e a luz em seu entendimento, produzindo aí o vero da sabedoria.
VI. Esses dois, o calor e a luz, ou o amor e a sabedoria, influem conjuntamente de Deus na alma do homem e, por esta, na mente, em suas afeições e pensamentos, e desses nos sentidos do corpo, na linguagem e nas ações.
VII. O sol do mundo natural é puro fogo, e por esse sol a natureza do mundo tem existido e subsistido.
VIII. Daí, tudo o que procede desse sol é morto, considerado em si mesmo.
IX. O espiritual se reveste do natural, assim como o homem se veste.
X. As coisas espirituais, assim revestidas no homem, fazem com que ele possa viver racional, moral e, por conseguinte, espiritualmente no natural.
XI. A recepção desse influxo é segundo o estado de amor e de sabedoria no homem.
XII. O entendimento no homem pode ser elevado na luz, isto é, na sabedoria em que estão os anjos do céu, segundo o cultivo da razão, e a sua vontade pode ser elevada no calor, isto é, no amor, semelhantemente, segundo os feitos da vida. Mas o amor da vontade não é elevado senão à medida que o homem quer e pratica as coisas que a sabedoria do entendimento ensina.
XIII. É inteiramente diferente com as bestas.
XIV. Há três graus no mundo espiritual e três graus no mundo natural, segundo os quais se faz todo influxo.
XV. Os fins estão no primeiro grau, as causas no segundo e os efeitos no terceiro.
XVI. Por aí é evidente qual é o influxo do espiritual por sua origem até os efeitos.
Cada um desses pontos será agora ilustrado em poucas palavras.
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