Swedenborg

Vida e Ensinamentos

  G.L.Trobridge

Prefácio à quarta edição em língua inglesa

 Esta biografia de Emanuel Swedenborg, por George Trobridge, teve sua primeira edição publicada em 1907, sob os auspícios da Sociedade Swedenborg. Uma segunda edição, aumentada e ilustrada, foi publicada em 1920. A terceira edição, resumida e em brochura, foi lançada em 1930.

Na preparação desta quarta edição verificamos que as mudanças ocorridas neste último quarto de século foram tão abrangentes que um livro escrito antes da guerra teria, necessariamente, de ser atualizado, a fim de continuar fiel aos propósitos idealizados por seu autor. Os últimos vinte e cinco anos não trouxeram apenas descobertas científicas que modificaram nossa concepção do universo, tampouco apenas mudanças econômico-sociais que redirecionaram o pensamento religioso, mas, também, súbita e generalizada modificação no modo de escrever e até mesmo na própria associação das palavras. O revisor, portanto, procurou dar a esta edição fisionomia moderna, além de proceder às revisões de praxe. O trabalho foi exaustivo e incluiu emendas, reformulação de frases e resumo de textos. Em alguns casos, a revisão foi drástica. Entretanto, o livro certamente continua sendo, em substância, enredo e execução, o mesmo "Vida de Swedenborg", tal qual escrito por Trobridge.

O trabalho do revisor certamente mereceria a aprovação do autor, se este ainda fosse vivo, pois as mudanças introduzidas se tornaram necessárias para manter o texto coerente com os objetivos do autor. Os trechos que aparecem entre aspas não indicam remissão ou referência da fonte. Em quase todos os casos foram extraídos da obra Documentos sobre Swedenborg, de autoria do Dr. R. L. Tafel, uma coletânea que registra informações coligidas pelo autor na Suécia, na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos. Nos demais casos, trata-se de informações divulgadas depois da publicação da obra do Dr. Tafel.

E. C. M.

Setembro de 1935

  

Cap. 1 - A hereditariedade e os primeiros anos

O fato de Emanuel Swedenborg ter passado da ciência natural para a teologia em plena meia idade, é ainda hoje motivo de espanto; o seu interesse pelos assuntos teológicos pode ser explicado por sua hereditariedade. Seu pai era um eminente bispo luterano e portanto ele cresceu num ambiente teológico, enquanto seus avós paterno e materno estavam ligados à indústria sueca de mineração. Daniel Isaacsson, o pai do bispo Swedberg, era mineiro e dono de minas em Fahlun, que ascendeu da pobreza à riqueza através de bons negócios de mineração. Albrecht Behm, o avô materno de Swedenborg, tinha ocupado um cargo importante no Conselho de Mineração, cargo este que Swedenborg mais tarde veio a ocupar.

A diversidade de sobrenomes na mesma família é explicada pelo costume da adoção de novos sobrenomes, às vezes pelo lugar de domicílio da família, ao invés do patronímico familiar, e pelo título de nobreza concedido à família Swedberg. Os filhos de Daniel Isaacsson se chamaram Swedberg, tirado do nome de seu domicílio - "Sweden", a Suécia. Mais tarde, o nome foi mudado para Swedenborg, quando a Rainha Ulrica Eleonora concedeu o título de nobreza à família do bispo, em 1719.

Jesper Swedberg, nascido em 1653, pai de Emanuel, foi o segundo filho de Daniel Isaacsson. Seus pais, pessoas muito piedosas, o dedicaram à igreja e foi ordenado em 1682. Foi designado Capelão da Cavalaria da Guarda no mesmo ano, nomeado Capelão da Corte em 1686, Deão e Pastor de Vingaker em 1690, Professor da Universidade de Uppsala em 1692, Deão de Uppsala, em 1694, e Bispo de Skara, em 1702, tendo ocupado este último posto durante trinta e três anos. Era homem de vida correta e piedosa, trabalhador incansável e reformador entusiástico. Com efeito, pode-se dizer que sua conduta exemplar lhe deu um papel de destaque entre seus pares, a ponto de provocar o seguinte comentário de um de seus contemporâneos: "Se ele tivesse vivido alguns séculos antes, a Suécia teria hoje número bem maior de santos. Sua sabedoria, seu espírito empreendedor, seu exemplo de vida e sua dedicação à glória de Deus, merecem ser reverenciados até neste século de maior saber". Ele se dedicou muito à causa da educação, tanto como capelão do exército, quando instituiu um prêmio para cada soldado que aprendesse a ler, quanto como professor de teologia e, mais tarde, reitor da Universidade de Uppsala. Procedeu à reforma do ensino público, escrevendo e editando muitos livros didáticos e, de todas as maneiras, contribuiu para promover o avanço do ensino.

Embora a Suécia fosse um país protestante, o estudo da Bíblia estava bastante negligenciado. Com efeito, a Bíblia tinha se tornado artigo de luxo, devido ao alto preço cobrado pelos editores. Swedberg tentou remediar essa situação, providenciando a publicação de uma edição popular do livro a preço acessível a todos; embora a empresa contasse com a autorização real e Swedberg custeasse de seu próprio bolso grande parte da edição, o projeto malogrou, devido às pressões de poderosos editores. Seus esforços com vistas à revisão da versão sueca da Bíblia também fracassaram; sua tentativa de melhorar o Hino Nacional da Suécia e o Livro dos Salmos valeram-lhe acusação de heresia e ambos os trabalhos foram reprimidos. Parece que Swedberg foi vítima da inveja, da apatia e do conservadorismo obstinado daqueles que deveriam ter sido seus maiores aliados. Apesar de tudo, perseverou nos seus nobres intentos até o fim de sua vida.

A religião de Jesper Swedberg era eminentemente prática. Na Igreja Luterana, a exemplo de outras denominações protestantes, a fé foi elevada a um nível tal de preeminência, que as boas ações ficaram depreciadas e a moralidade conseqüentemente comprometida. Swedberg achava que a verdadeira fé não poderia estar dissociada de uma vida produtiva e caritativa. Ele denunciava que "muitos se contentavam com o primeiro e segundo parágrafos da "grande fé" (stor-trön em sueco), mas não prestavam atenção aos ensinamentos do terceiro parágrafo, com a "santificação e uma vida sagrada". "A fé da cabeça" (hjarne trön), ou seja, a "fé do cérebro" e a "fé do demônio" eram para ele sinônimos. Foi um pregador destemido, denunciando tanto as faltas daqueles que ocupavam cargos importantes, como os deslizes dos mais modestos pecadores; era especialmente severo com a falta de religiosidade desses últimos e sua abusiva e escandalosa dependência da assistência da igreja.

Seu ecumenismo era notável, considerando-se a época em que viveu. Estava sempre pronto a aceitar as coisas boas de todas as religiões e durante uma visita à Inglaterra chegou a discutir fervorosamente a questão da unificação das denominações cristãs com o Bispo Fell, de Oxford. Admirava o trabalho social da igreja nos países católicos romanos, bem como a dedicação das pessoas influentes desses países aos doentes e pobres; em seu próprio país louvou a prodigalidade dos "piedosos", embora não concordasse com todos os seus ensinamentos e práticas. O Conselheiro Sandels descreveu Swedberg como "homem obstinado, mas sem preconceitos". Era homem de gostos e hábitos simples, fácil de se satisfazer, que teve um razoável quinhão da riqueza deste mundo, mas morreu pobre, tendo gastado boa parte de sua riqueza na impressão e edição de livros e outros projetos sem fins lucrativos.

A maioria de seus livros não teve êxito e ele se queixava de estar com seus depósitos cheios de livros encalhados, acrescentando, jocosamente, que depois de sua morte as mulheres iriam usá-los como lenha para fazer seus bolos.

Não é de admirar que, para um homem devotado e zeloso como o Bispo Swedberg, as coisas do mundo espiritual tenham sido sempre tão tangíveis. Acreditava piamente na presença de anjos entre os homens e no seu papel de "espíritos ministradores", enviados para revelar aqueles que serão os "legatários da salvação" (Heb. 1:14). Viveu na companhia de seu "anjo da guarda" com quem dizia conversar de vez em quando. Acreditava ter outros dons espirituais, que se manifestavam em certas ocasiões, e parece ter tido poderes hipnóticos de cura. Não muito depois de sua ordenação, conta que ele e os moradores do povoado onde morava ouviram vozes vindas da igreja na hora do crepúsculo. Esse fato o convenceu da presença de visitantes angélicos e fez que reforçasse sua crença na divindade da missão a que se tinha dedicado.

Todos esses fatos tiveram ainda maior influência nas extraordinárias experiências de seu filho Emanuel; a idéia do relacionamento íntimo que subsiste entre o mundo físico e o espiritual indubitavelmente provém dos ensinamentos de seu pai.

Este é o perfil do pai do nosso biografado. De sua mãe não há muitas notícias; ela era obviamente muito ocupada com suas tarefas domésticas, tendo tido nove filhos durante seus doze anos de vida matrimonial. Morreu aos trinta anos de idade, quando Emanuel tinha apenas oito anos. Estranhamente, sabe-se muito pouco a respeito da infância de Swedenborg. Nasceu em Estocolmo, a 29 de janeiro de 1688 e era o segundo filho homem e terceiro rebento dos pais. Além disso, tudo o que se sabe sobre essa fase de sua vida provém de uma carta que escreveu, em 1769, a seu amigo, Dr. Beyer, professor de grego na Universidade de Gotemburgo. Na carta diz: "Dos quatro aos dez anos eu estava constantemente meditando sobre Deus, a salvação e as experiências espirituais do homem; às vezes fazia revelações que levavam meus pais a dizer que os anjos estavam falando através de mim. Dos seis aos doze anos eu tinha muito prazer em conversar com clérigos sobre fé, afirmando-lhes que o que dá vida à fé é o amor e que o amor que é a fonte da vida é o amor ao próximo; dizia-lhes também que Deus deu a fé para todos, mas só aqueles que praticam o amor são merecedores dela. Naquele tempo eu só sabia que Deus era o Criador e Preservador da Natureza e que Ele deu ao homem compreensão e boa disposição e algumas outras coisas do gênero. Eu não sabia nada sobre aquela fé cultivada que nos ensina que Deus, o Pai, transmite as virtudes de Seu Filho a quem quer que seja e, a qualquer tempo que Ele escolha, até mesmo àqueles que ainda não se arrependeram e não reabilitaram suas vidas. E se isso me tivesse sido revelado, naquela época como agora, tudo estaria muito acima de minha compreensão".

Se nos faltam dados concretos sobre a infância de Swedenborg, podemos preencher as lacunas usando nossa imaginação a partir dos conhecimentos que temos sobre sua família. Na ocasião de seu nascimento, seu pai exercia as funções de Capelão da Corte, em Estocolmo. Portanto, ele passou os primeiros três ou quatro anos de vida naquela capital e obviamente levou a impressão da cidade grande, com seus pomposos edifícios, a correnteza verde das águas oriundas do Lago Malaren, seus navios, suas paradas militares e o vai-e-vém de aristocratas e nobres em suas charretes de verão ou trenós de inverno, para a casa rural em Vingaker, onde a família foi morar em 1692. Aí, durante uns poucos meses ele se deleitou, como qualquer criança, com passeios intermináveis pelos campos floridos e magníficas fazendas onde ele e seus pais eram afetuosamente tratados pelos paroquianos.

Os dez anos seguintes de sua vida foram passados em Uppsala, onde a família foi residir na Praça da Catedral. Foi nessa cidade que ele teve seus primeiros anos de instrução escolar. Seu professor foi Johanness Moraeus, conhecido por Dr. Moraeus, seu primo pelo lado materno; além disso, pouco se sabe sobre seus estudos. O Conselheiro Sandels nos fala sobre "o cuidado especial que se deu à sua educação" e conhecendo-se seu pai, não podemos duvidar desse testemunho.

Uppsala, onde Swedenborg passou seus dias felizes de infância, era, na época, uma cidade de cinco mil habitantes, e sua catedral era considerada o mais majestoso edifício gótico do norte da Europa. Foi local da coroação e túmulo de muitos monarcas. Pode-se imaginar o menino Swedenborg, caminhando entre esses monumentos, a meditar sobre toda aquela grandeza, desvanecido ou atento aos ritos do serviço diário de que seu pai sempre participava. Esses serviços não eram insípidos e monótonos como os ritos protestantes da época em alguns países da Europa, pois a Igreja Luterana tinha conservado alguns ritos do culto católico romano. Um retrato de Jesper Swedberg nos mostra ele sentado à mesa, com uma Bíblia aberta, certamente, num de seus textos favoritos (I Cor. 16:22): "Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo, seja anátema. Maranata". Acima do livro sagrado aparece um crucifixo. Por uma porta aberta, em cujo portal há uma cruz, pode-se vislumbrar o interior de uma igreja com um altar, velas acesas e uma peça de altar mais acima.

Podemos imaginar com que interesse Emanuel contemplava o "moderno e grandioso edifício de pedra" de seu pai, no centro da praça; e a impressão que causou aos seus olhos de criança o incêndio que, logo depois de sua inauguração, destruiu, não apenas a casa, como outros prédios vizinhos, inclusive a grande catedral.

A história da construção dessa casa, tal qual aparece no "Almanaque Biográfico Sueco(Swedish Biographiskt Lexicon), nos dá um testemunho esclarecedor sobre o caráter do pai de Swedenborg. "É interessante", diz o autor, "escutá-lo falar sobre a construção de sua nova casa. Eu sei, e posso testemunhar, pois presenciei tudo, que nenhum trabalho foi feito, nenhuma pedra foi levantada com hesitação ou incerteza; tudo foi feito com prazer e alegria. Não se ouviam queixas, lamúrias, discussões, insultos ou imprecações". Quando a obra acabou, no outono de 1698, ele convidou para a festa da inauguração todos os pobres da cidade. Ele, sua mulher e seus filhos serviram todos os convidados. Tudo transcorreu dentro da mais perfeita ordem e essa festa de caridade se encerrou com cânticos, preces, bênçãos mútuas e graças a Deus". Podemos supor que Swedenborg, então com dez anos de idade, participou de toda essa festa.

Outra circunstância que deve ter marcado sobremaneira a memória de Swedenborg foi a morte de sua mãe, em 1696, seguida da morte de seu irmão mais velho, poucas semanas depois. Dos filhos que restaram (sete além dele próprio), sua favorita era sua irmã Ana, dezesseis meses mais velha que ele. Antes de completar dezessete anos, ela se casou com o Dr. Ericus Benzelius, bibliotecário da Universidade de Uppsala; mas ela não se desligou de seu querido irmão. Foi nessa época que Swedenborg entrou para a faculdade e todas as indicações levam-nos a concluir que morou com ela até sair da universidade, em 1709, de vez que seu pai tinha se mudado para Brunsbo, em 1702, onde foi designado para o bispado de Skara. Nada sabemos sobre suas atividades durante esse período. Certamente ele não deve ter vivido todo esse tempo em vão. Entretanto, não há nenhum registro de que tenha realizado algo de espetacular durante esse período. O Conselheiro Sandels nos diz que "ele aproveitou ao máximo as regalias que ele e alguns poucos tinham" e classifica sua dissertação final de formatura na universidade, elaborada com a orientação de seus superiores, como "um trabalho muito inteligente para um jovem". Depois de deixar a universidade, publicou alguns de seus poemas em latim, que, segundo o conselheiro Sandels, mostravam "formidável sagacidade e que havia feito bom uso de sua juventude". Swedenborg continuou nessa atividade por alguns anos, e chegou a ser considerado poeta entre seus familiares.

Livre dos tutores, aulas e livros escolares, Swedenborg se refugia em Brunsbo, na residência episcopal perto de Skara, e começa a elaborar os planos para uma longa viagem ao estrangeiro. A maior dificuldade parece ter sido arranjar os recursos para a viagem; seu pai era um homem de poucas posses, muitos compromissos e não muito longe da penúria. Em carta datada de 13 de julho de 1709, Swedenborg pede a seu cunhado, Benzelius, assistência para seu projeto de viagem. Também solicita sua recomendação para uma faculdade inglesa, onde pudesse aperfeiçoar seus conhecimentos de matemática, física e história natural. Propunha-se a preparar um resumo das principais descobertas ocorridas no campo da matemática ao longo dos séculos e acrescentar-lhes tudo o que pudesse descobrir no curso de suas viagens.

Nessa mesma carta ele diz ao cunhado que aprendeu a arte da encadernação com um homem que trabalhou para seu pai. Cito este fato para ilustrar a natureza empreendedora e prática de Swedenborg. Aonde quer que fosse em suas viagens, sempre procurava aprender um ofício. Escrevendo de Londres, em 1711, diz: "Também resolvi hospedar-me em oficinas; primeiro foi numa relojoaria, depois numa carpintaria e, atualmente, estou hospedado na oficina de um fabricante de instrumentos matemáticos; com eles aprendo ofícios que me serão de muita valia vida afora". Aprendeu também a fazer instrumentos de latão; mais tarde, em Leyden, a moer vidro para a fabricação de lentes e outras artes que o habilitassem a fabricar artefatos que não podia comprar. Seu cunhado encomendou-lhe, durante sua estada na Inglaterra, alguns globos terrestres para a biblioteca da Universidade de Uppsala; como os globos custassem muito caro e seu transporte fosse muito dificultoso, foi-lhe pedido que conseguisse as chapas gravadas para serem montadas na Suécia. Diante da recusa dos fabricantes de fornecer as chapas gravadas, o jovem Swedenborg aplicou-se na arte de gravar e fez ele mesmo as chapas.

Mas voltemos ao início da história. Passou-se um ano desde o pedido que fizera ao cunhado Benzelius e ele ainda não conseguira iniciar sua viagem. Um ano inteiro de frustração e espera. Esse não foi um período feliz na vida do irrequieto Emanuel; principalmente pela objeção a seus estudos em casa. O arcebispo, muito ocupado e eminentemente prático, gostava tanto de matemática quanto de metafísica. Certamente, não via com bons olhos a perspectiva de ter um filho de vinte e dois anos levando uma vida inativa e sem profissão definida. Não há dúvida de que o filho (Swedenborg) estava insatisfeito. Em 6 de março de 1710, escreve a Benzelius, o grande amigo de sua juventude: "Não tenho nenhum desejo de permanecer aqui por muito tempo; acho que estou perdendo quase todo o meu tempo. Por outro lado, tenho feito tantos progressos na música que já substituí o organista, em várias ocasiões; mas este lugar me dá pouca chance de fazer outros estudos; e esses estudos não são bem vistos por aqueles que deveriam me estimular a fazê-los".

Um paliativo para esse estado de insatisfação foi a visita que Swedenborg fez ao famoso inventor sueco, Christopher Polhammar (mais tarde conhecido por seu título nobiliárquico, Polhem). Na companhia dele, o jovem Swedenborg estava em seu elemento e Polhammar gostou de seu desempenho, como nota naquela carta a Benzelius: "Nós nos demos muito bem, especialmente quando descobri que ele era capaz de me ajudar nas experiências do projeto de mecânica que estou desenvolvendo. Nesse particular, devo mais a ele do que ele me deve. Ademais, dou muito mais valor a uma pessoa inteligente e ágil com quem posso conversar sobre assuntos a respeito dos quais sei muito pouco, do que a umas poucas semanas de casa e comida".

O outono de 1710 vai encontrar o jovem Swedenborg em Londres; e a partir desta data, suas cartas ocasionais para o Dr. Benzelius nos dão um breve mas interessante relato de suas atividades durante os cinco anos em que esteve longe da Suécia.

Sua viagem para Londres não transcorreu sem incidentes. Com efeito, sua vida esteve em perigo em quatro ocasiões. O navio em que viajava foi abalroado ao se aproximar da costa inglesa; logo depois, o navio foi tomado de assalto por piratas. Em seguida foi alvo da artilharia de navios da marinha inglesa que o tomaram pelo navio de piratas; finalmente, depois de chegar são e salvo a Londres, Swedenborg escapou por um triz de morrer na forca, por ter infringido a ordem de quarentena imposta por causa da epidemia de peste que grassava na Suécia.

Sua primeira carta para Benzelius, escrita de Londres, é muito interessante e revela, não somente "seu imoderado desejo" (para usar a expressão que usou em carta posterior) de estudar, como pela notável abrangência de seus interesses.

"Estudo Newton diariamente", diz, "e estou muito ansioso para conhecê-lo e ouvi-lo. Já me supri de um número razoável de livros para o estudo da matemática e também de alguns instrumentos que são, além de um ornamento, de grande valia no estudo das ciências: um telescópio, vários tipos de quadrantes, prismas, microscópios, balanças e câmara escura, fabricados por William Hunt e Thomas Everard, que muito admiro e que você também admirará. Depois de pagar todas as minhas contas, espero ainda ter dinheiro para comprar uma bomba de ar".

Não parece que seu desejo de conhecer Newton se concretizou, embora, na Inglaterra, tenha-se relacionado com personalidades notáveis como Flamsteed, Halley e Woodward, tendo este último o apresentado a vários membros da Sociedade Real de Ciências e a outros intelectuais de renome.

Entre outros registros de interesse desta carta datada de 13 de outubro de 1710, destaca-se este: "A magnífica Catedral de São Paulo foi totalmente terminada há alguns dias". Parece fora de dúvida que a pureza virginal desse extraordinário templo, com todos os seus detalhes ainda livres da mácula da fumaça negra da grande cidade, causou vívida impressão no jovem Swedenborg.

Mas ficou ainda mais encantado com Westminster; não propriamente com a arquitetura que nem mesmo chega a comentar: "Examinando os monumentos reais na Abadia de Westminster", diz, "deparei com o túmulo de Casaubon; movido pela inspiração do meu amor por este herói literário, curvei-me, beijei seu túmulo e dediquei à sua cabeleira, sob o mármore frio, alguns versos em latim que não cabe transcrever".

De seus estudos na Inglaterra, a matemática e a astronomia parecem ter sido os que absorveram a maior parte de seu tempo. Escreve, em carta datada de abril de 1711: "Visito, diariamente, os melhores matemáticos aqui da cidade. Estive com Flamsteed, considerado o melhor astrônomo da Inglaterra, e que está sempre fazendo observações". Em carta escrita em fins de 1711 ou início de 1712, relata suas conversas com Flamsteed e remete uma lista de publicações de autoria deste, que Benzelius lhe havia encomendado. Também fala com entusiasmo de seus significativos progressos e de seus planos para o futuro.

"No tocante à astronomia", diz, "já reúno conhecimentos que me serão muito úteis no estudo dessa ciência. Embora no início meu cérebro doesse, as longas especulações teóricas não me são mais tão penosas. Examinei detidamente todas as proposições para determinar a longitude terrestre, mas nenhuma me convenceu. Então decidi formular meu próprio método, com base na Lua; o método parece à prova de erro e estou certo de que é o melhor proposto até aqui. Dentro em breve submeterei essa minha proposição à Sociedade Real de Ciências. Se a proposição merecer a acolhida daquela entidade, vou publicá-la aqui ou na França. Já descobri também vários novos métodos para observar a Lua, os planetas e as estrelas. O que trata especificamente da Lua e seus paralaxes deverá ser publicado brevemente. Agora ando ocupado com os meus estudos de álgebra e geometria avançada; tenciono estar em condições de dar continuidade às descobertas feitas por Polhammar".

Os amigos do jovem Swedenborg que moravam na Suécia freqüentemente se valiam de seus préstimos na Inglaterra. Às vezes era para achar um livro para a biblioteca da Universidade; noutras vezes para comprar instrumentos ou para instruções sobre o melhor método de usar esses instrumentos. Para o cunhado, comprou lentes para um telescópio de 24 pés, um microscópio e atendeu tantas encomendas de livros que o obrigaram a "saquear" livrarias e participar de leilões, atividades nada incômodas para ele. A Sociedade Literária de Uppsala também lhe confiou muitas tarefas, através de um de seus membros, o Professor Elfvius, por quem Swedenborg foi incumbido de registrar os métodos de observação usados por Flamsteed, os instrumentos por ele utilizados etc. Depois de detalhar vários pedidos, o professor Elfvius encerra uma de suas cartas assim: "Confio todas as tarefas acima e tudo mais que possa interessar aos nossos estudos de matemática à sede de conhecimento do Sr. Swedberg".

Um assunto pelo qual o Professor Elfvius manifestara particular interesse era saber o que os ingleses achavam dos Principia de Newton, publicado havia vinte anos. Ele próprio não aceitava a teoria da gravitação, que lhe parecia "mera abstração", "um absurdo". A resposta de Swedenborg foi muito ponderada: "Sobre essa matéria", escreveu, "nenhum cidadão inglês deve ser inquirido, pois estaria cego pelo próprio interesse; no entanto, seria criminoso duvidar deles".

Swedenborg se desincumbia prazerosa e eficientemente de todas as missões e tarefas que lhe eram confiadas pelos amigos e ainda inseria informações e sugestões pessoais. Recomendou a compra de obras como Transações Filosóficas da Sociedade Real; a Digesta da Sociedade Real, de John Lowth ou Lowthrop; Léxico das Artes e Ciências, de Harris; Os Anais da Literatura, alguns trabalhos de Sir Isaac Newton e inúmeros outros livros. Menciona, ainda, a publicação da Septuaginta, de Grabe, e de uma ou duas outras obras teológicas; esse é o único indício de seu interesse pela teologia, até então. Para descansar de seus exaustivos estudos científicos, Swedenborg continuava a escrever poesia e se dedicava ao estudo de poetas ingleses. Dentre esses, destacava Dryden, Spencer, Waller, Milton, Cowley, Beaumont e Fletcher, Shakespeare, Ben Johnson, Odham, Benham, Phillip (Ambrose Phillips?), Smith e outros, todos, segundo ele, "eminentes poetas ingleses, dignos de serem lidos, ainda que seja somente por sua imaginação". Para um estrangeiro, Swedenborg tornou-se bastante versado em literatura inglesa.

O jovem Swedenborg passou dois anos em Londres e Oxford, aproveitando, ao máximo, qualquer oportunidade de aprender. Essas suas viagens e estudos lhe foram bastante onerosos e não podia contar com o suporte financeiro do pai. Este, aliás, estava, na época, envolvido com seus próprios negócios e, portanto, com pouco tempo para pensar num estudante solitário e pobre. Como todo bom filho, Emanuel nunca fez disso um cavalo de batalha. Mas, de tempos em tempos, se queixava veladamente dessa situação: "Estou com o orçamento apertado", diz a Benzelius, em carta de abril de 1711, "e não posso comprar nada a crédito". Nove meses depois, escreve: "Eu sempre desejei visitar a Biblioteca Bodleian, desde que conheci a pequena filial na Faculdade Sion; mas tenho de ficar aqui contando tostões. Acho que meu pai não se preocupa muito comigo, pois nos últimos dezesseis meses tenho vivido com menos de 50 libras. Nos últimos quatro meses nenhum dinheiro me chegou às mãos. É duro viver a pão e água, como um pobre diabo em Schonen". E continua: "Sua generosidade e consideração para comigo, de que tenho tido muitas provas, fazem-me acreditar que suas recomendações a meu pai farão que ele volte a me mandar os recursos essenciais para que eu possa continuar os meus estudos. Acredite que é meu desejo ardente trabalhar para honrar sua casa e a casa de meu pai, com força e deliberação ainda maior do que as vossas" (agosto 1712).

Pena que essas cartas sejam tão escassas e esparsas. Muitas, evidentemente, se extraviaram. Em carta escrita de Paris, com data de agosto de 1713, Swedenborg se refere a uma carta que enviou da Holanda, para onde foi depois da Inglaterra, e que nunca foi encontrada. Com efeito, tudo o que se sabe a respeito de sua estada na Holanda está nessa carta escrita de Paris. Nela, diz: "Passei a maior parte de minha estada na Holanda em Utrecht, onde a Dieta se reuniu, e onde contei com a hospitalidade do Embaixador Palmqvist, que me recebeu todos os dias em sua casa para longas discussões sobre álgebra. É um bom matemático e grande algebrista. Não queria que eu viesse embora. Portanto, ano que vem tenciono voltar para Leyden, onde há um esplêndido observatório e o melhor quadrante de latão que já vi e que custou 2.000 florins novos. Estão sempre fazendo novas observações e acho que posso, facilmente, obter da universidade permissão para estagiar durante dois ou três meses. Palmqvist concorda com essa minha idéia".

A documentação sobre a vida de Swedenborg em Paris também é bastante pobre. Sabemos que lá conheceu De Lar Hire, Varrignon, o Abade Bignon (membro da Academia e, mais tarde, bibliotecário real), além de outras personalidades da época, e comenta que: "Há muito plágio e ciúme entre os matemáticos daqui e da Inglaterra. Halley me disse, em Oxford, que foi o primeiro a examinar as variações do pêndulo sobre a linha do equador; aqui todos silenciam a respeito disso. Os astrônomos daqui também afirmam que a teoria de Cassini foi formulada antes de Halley empreender sua viagem à ilha de Santa Helena e outras coisas do gênero".

Swedenborg passou cerca de um ano em Paris e arredores. Deixando Paris, rumou para Hamburgo, via Lille, indo então para Pomerânia, na época província da Suécia. Em uma carta escrita de Rostock, envia ao cunhado uma lista de suas invenções. Sabe-se lá que inventos eram estes e se o jovem inventor idealizou os aparelhos e máquinas modernos com a mesma precisão de suas teorias científicas que permanecem atuais até hoje.

A primeira dessas invenções foi o "projeto de um navio que podia mergulhar com sua tripulação ao fundo do mar e causar grandes danos à armada inimiga". Outro invento era um sistema de comportas para suspender navios cargueiros. Um outro invento foi um sistema de moinhos impulsionados pela ação do fogo sobre a água. Uma metralhadora pneumática capaz de dar de sessenta a setenta tiros, sem recarregar, e uma máquina voadora completavam a galeria de inventos sendo gerados por este jovem inventor. Mais tarde voltou ao projeto da máquina voadora; entretanto, Polhem parece ter arrefecido seu entusiasmo pelo projeto, com o argumento de que "voar por meios artificiais seria tão difícil quanto achar o 'moto perpetuo' ou produzir ouro artificialmente, embora, à primeira vista, isso possa parecer fácil e viável".

Seu método para determinar a longitude da Terra com base na Lua é tido como a mais significativa de suas primeiras descobertas. Embora não tenha sido bem acolhida pelos sábios da época, Swedenborg sempre insistia que seu método era "o único que pode ser enunciado, o mais fácil e, de fato, o correto". Sua confiança nele era tanta, que o republicou, por diversas vezes, entre 1718 e 1766, em latim e sueco. Esse tratado recebeu crítica favorável da Acta Literaria Sueciae, de 1720. O editor afirmava que o tratado de Swedenborg era superior a todos os que tinham sido formulados até àquela data. O Acta Eruditorum, de 1722, publicado em Leipzig, também faz muitos elogios ao trabalho de Swedberg.

Na carta escrita de Rostock, Swedenborg expressa o desejo de voltar à Suécia; todavia, permaneceu na Pomerânia por mais nove meses, passando a maior parte do tempo na pequena cidade universitária de Greifswalde. Os motivos que o fizeram permanecer nessa cidade por tanto tempo não são claros. Pode ter sido a presença do rei de Stralsund e sua esperança de vir a ser convocado para algum mister. Sabe-se, porém, que não fazia bom conceito da universidade e da comunidade acadêmica locais.

Em Greifswalde o jovem Swedenborg editou uma série de fábulas poéticas, em latim, abordando temas políticos da época, sob o título: Camena Borea cum Heroum et Heroidum factis ludens: sive Fabelae Ovidianis similes sub variis nominibus. Ele vinha-se entretendo com esse tema há muito tempo.

As aventuras do jovem Swedenborg estavam chegando ao fim. Pena que grande parte da sua correspondência da época e seu diário estejam extraviados. As poucas cartas que escreveu para Benzelius são muito interessantes. Não somente pelos registros sobre os estudos e realizações do jovem Swedenborg, mas, principalmente, pela revelação de seu caráter. Swedenborg sempre foi considerado carente de afeição e amizade, mas, certamente, teve muita amizade de Benzelius, e era muito apegado à sua irmã Ana; em todas as cartas ele expressa a afeição que tinha por ambos e pelo seu sobrinho, Eric, que ele chamava afetuosamente de "irmãozinho". Bom exemplo disso pode ser encontrado na carta escrita de Rostock, em data de 6 de setembro de 1714, na qual diz: "Desejo muito rever o meu 'irmãozinho Eric'; talvez já saiba fazer um triângulo ou desenhar um, quando eu lhe der uma pequena régua". O "irmãozinho Eric" tinha, então, nove anos. O interesse de Swedenborg por Eric continuou por alguns anos; mais tarde, escreveu: "Soube que seu interesse por desenho e mecânica continua. Se puder se livrar de seu preceptor, gostaria que ficasse sob minha orientação. Proveria sua subsistência e dar-lhe-ia aulas de matemática e outras matérias". Parece que o "irmãozinho Eric" seguiu as pegadas do tio, e em 1726 foi nomeado para o Conselho de Mineração com a simpatia dele. Em 13 de julho de 1725 o pai de Eric escreve a Swedenborg: "Sou-lhe grato pelos favores feitos ao nosso filho Eric aí em Estocolmo; pelas lições de matemática e física e, mais recentemente, por um novo presente". Eric tinha, então, vinte anos de idade.

A estada de Emanuel em Greifswalde foi abreviada pela chegada de inimigos comuns da Suécia em Stralsund, distante umas quinze milhas, onde o rei estava sitiado. Sobre o fato, Swedenborg escreve: "Consegui, por obra da Divina Providência, passagem para casa num iate, em companhia de Madame Feif [presumivelmente mulher do Conselheiro da Guerra] depois de mais de quatro anos no exterior [quase cinco]". O ambiente estava hostil em Stralsund, tornando-se impróprio para senhoras e estudantes.

Fim do primeiro capítulo